Medidas do governo para conter a depreciação
do dólar mostram a morte da heterodoxia no Brasil
Giuliano Guandalini
Issei Kato/Reuters |
Barras de ouro em loja de Tóquio: seguro contra o declínio do dólar |
VEJA TAMBÉM
|
As importações brasileiras avançaram 37% nos últimos doze meses, impulsionadas pelo crescimento acelerado do consumo e pelo dólar barato. Esse aumento foi bem superior ao das exportações, que subiram 18%. Tal descompasso tem levado a uma redução muito veloz do superávit da balança comercial brasileira. Depois de atingir um recorde histórico de 46,5 bilhões de dólares em 2006, o resultado da balança começou a se deteriorar. Estima-se que ficará em 28 bilhões de dólares neste ano. Essa queda acendeu uma luz amarela na equipe econômica. Temendo que o país volte a ter déficits comerciais e que a indústria nacional seja prejudicada pela enxurrada dos importados, o governo anunciou, na semana passada, um pacote com três medidas (veja o quadro). Seu objetivo é estimular as exportações e deter a queda do dólar perante o real. Existe chance de funcionar. A melhor notícia, porém, é que a intervenção foi feita de modo sensato, dentro do melhor figurino de mercado, sem retrocesso na política cambial. Foi um tiro, o de misericórdia talvez, nos abantesmas da heterodoxia econômica que tanto dano causaram ao Brasil nas décadas passadas.
Os analistas ainda estão céticos quanto à eficácia das medidas, sobretudo no que diz respeito à contenção da queda do dólar. Até porque isso não depende apenas do Brasil. A moeda americana está "derretendo", como disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em todo o mundo. O declínio já dura seis anos, e não há sinais de que será interrompido tão cedo. Na comparação com uma cesta de moedas, o dólar passa pelo período de maior fraqueza desde 1995. Seu valor recuou mais de 40% em relação ao euro desde 2002. Trata-se, portanto, de um declínio mundial, desencadeado pela crise financeira dos Estados Unidos. Graças à estabilidade econômica brasileira, o real tem sido uma das moedas que mais ganharam valor em relação ao dólar. Diz o economista Alexandre Schwartsman, do Banco Real: "Perto das forças que empurram a divisa americana para baixo, as medidas anunciadas pelo governo têm a mesma eficácia de abrir um guarda-chuva para conter um tsunami".
Mario Tama/Getty Images |
Banco Bear Stearns, em Nova York: faltou caixa |
Não são apenas moedas que têm ganhado valor ante o dólar. O preço das mercadorias cotadas na moeda americana bate seguidos recordes de alta, em parte para compensar, justamente, o enfraquecimento do dólar. O barril do petróleo atingiu a marca de 110 dólares. O ouro, cuja compra serve de proteção contra a desvalorização da moeda americana, também nunca custara tanto. A cotação do metal ultrapassou 1.000 dólares por onça (medida-padrão equivalente a 28,349 gramas). As perspectivas para o dólar não são animadoras, ao menos a curto prazo. Os Estados Unidos estão à beira da recessão e a crise financeira ganha contornos mais dramáticos a cada semana. Na sexta-feira (14 de março), o Bear Stearns, o quinto maior banco de investimento do país, que carregava uma montanha de créditos imobiliários podres, foi à lona. Sem caixa para honrar os credores, ele só não fechará as portas porque será socorrido pelo banco JP Morgan e pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O Fed já injetou 400 bilhões de dólares no sistema financeiro para dar liquidez aos bancos do país, mas novas vítimas da crise surgirão pelo caminho. Até que a economia americana purgue seus excessos, o dólar deverá derreter ainda mais. Queira o governo brasileiro ou não.
|