Ronaldo França
Montagem sobre fotos Jody Dole/Getty Images e Pedro Rubens |
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O barril de petróleo bateu em 109 dólares na semana passada. O consumo mundial chegou a 1 000 barris por segundo. A combinação desses dois números é o melhor indicador de que a busca por combustíveis alternativos deixou de ser uma atividade pitoresca para se elevar ao centro das atenções das empresas, dos governos e das instituições internacionais. Entre todos os combustíveis alternativos, o mais viável atualmente, do ponto de vista econômico e ambiental, é o etanol. Entre todos os tipos de etanol, o de cana-de-açúcar é o que tem maiores chances de participar substancialmente da matriz energética planetária. Entre todos os países produtores de etanol, o Brasil é aquele que apresenta as melhores condições geográficas, climáticas, culturais, econômicas e tecnológicas para liderar a produção do etanol, nome pelo qual é mais chamado hoje no planeta o álcool combustível, velho conhecido dos brasileiros desde a iniciativa pioneira dos anos 70, desencadeada pela primeira crise do petróleo.
Desde seu ressurgimento meteórico no cenário mundial, o álcool/etanol tornou-se alvo de todo tipo de especulação, sendo motivo de projeções nacionalistas gloriosas. Foi motivo também de outro tipo de especulação, muito mais pessimista: para manter a frota global de carros rodando, o planeta seria obrigado a abandonar o cultivo de alimentos para plantar cana-de-açúcar e produzir etanol. Para colocar a questão do etanol na perspectiva correta, VEJA organizou o questionário das páginas seguintes. São setenta perguntas e respostas que cobrem todas as principais questões levantadas pela entrada do etanol no foco dos holofotes. Nessa tarefa, VEJA valeu-se de inúmeras fontes e teve o privilégio de contar com a dedicação especial de um dos maiores especialistas no assunto, Luiz Augusto Horta Nogueira, engenheiro mecânico e doutor pela Universidade Estadual de Campinas. Nogueira é pioneiro nos estudos que levaram à criação da área de biocombustíveis da Agência Nacional do Petróleo, da qual foi diretor de 1998 a 2004. Hoje é professor titular do Instituto de Recursos Naturais da Universidade Federal de Itajubá e consultor para bioenergias de diversos órgãos internacionais, entre eles o Banco Mundial e a FAO, a divisão de agricultura e alimentação das Nações Unidas.
PANORAMA
Claro Cortes/Reuters |
Engarrafamento em Pequim: a gasolina emite dez vezes mais CO2 do que o etanol |
1 O que são os combustíveis "verdes"? São aqueles cuja emissão de CO2 durante o processo de produção ou no cano de descarga dos carros é menor que a proveniente do diesel e da gasolina.
2 Quais são os combustíveis "verdes"? Os mais viáveis são o etanol e o biodiesel. O hidrogênio líquido e a eletricidade produzida por baterias não emitem nenhum tipo de fumaça quando utilizados como combustíveis de automóveis. Seu uso, porém, ainda é restrito por problemas de distribuição e de pouca autonomia.
3 Qual o menos poluidor? A forma como os combustíveis são produzidos deve ser levada em conta na resposta e não apenas o que escapa do cano de descarga. A produção de hidrogênio exige gasto de eletricidade, o que, por sua vez, requer a queima de carvão e petróleo em termelétricas. Em termos globais, 60% da energia elétrica vem do carvão, a mais poluente das fontes energéticas.
4 Por que o etanol e o biodiesel são os mais viáveis? O etanol e o biodiesel têm a vantagem de, por ser líquidos, aproveitar toda a estrutura logística da gasolina e do diesel. O etanol tem uma equação econômica ainda mais favorável, em razão da produtividade. Com 1 hectare de terra se consegue produzir 7 500 litros de etanol. No caso do biodiesel de soja, obtêm-se 600 litros por hectare. O etanol continuará atraente mesmo que o preço do barril de petróleo caia a 35 dólares. Todas as demais alternativas energéticas "verdes" só se tornam economicamente atraentes quando o barril de petróleo está valendo, no mínimo, 80 dólares.
5 Quanto esses combustíveis representam hoje no consumo mundial? São utilizados 600 bilhões de litros de combustível por ano no mundo. O consumo de biocombustíveis (etanol de cana, etanol de milho e biodiesel) é de 10% disso, algo em torno de 60 bilhões de litros.
6 Qual é a parcela de etanol no consumo mundial? O mundo utilizou, em 2007, 54 bilhões de litros de etanol. O país produziu, na última safra (parte da qual será vendida ao longo deste ano), 21,5 bilhões de litros. Desse total, pouco mais de 3 bilhões deverão ser exportados.
7 Quanto o etanol pode representar no futuro? A estimativa é de que o etanol chegue a prover 20% de todo o combustível líquido usado no mundo. Em valores de hoje, 120 bilhões de litros.
8 O etanol brasileiro, em particular, que fatia terá? O Brasil, por suas características de clima, área agricultável, teria condições de suprir 10% da demanda mundial. A questão é que a próxima fronteira tecnológica já se anuncia. Está em desenvolvimento o etanol de celulose, obtido a partir de uma variedade maior de plantas e gramíneas. Já há fábricas em teste no mundo, mas ainda não se aperfeiçoou o processo para torná-lo comercialmente viável. Ele pode vir a ser tão ou mais rentável que o etanol feito de cana-de-açúcar.
9 Que países estão adiantados na corrida pelo etanol de celulose? Os Estados Unidos lideram as pesquisas e o Brasil vem logo atrás. Calcula-se que leve ainda entre cinco e dez anos para os primeiros litros chegarem ao mercado.
10 Além da ainda relativa abundância, que outras vantagens tem o petróleo? Ainda não está inteiramente resolvido o problema da padronização internacional do combustível verde. Além disso, se queimar petróleo polui, tirar petróleo da terra ou do mar é uma atividade limpa, enquanto produzir etanol exige ocupação de vastas áreas de terreno, irrigação e uso de químicos agrícolas. A falta de um mercado mundial é um entrave ao etanol.
11 Um dia a eletricidade vai aposentar o etanol? No Brasil as hidrelétricas produzem de forma limpa mais de 90% de toda a energia elétrica. Na maior parte dos países, porém, a eletricidade é obtida com a queima de carvão. Portanto, o processo de produção da eletricidade é muito poluente. No futuro, a energia nuclear poderá substituir o carvão e – caso esteja resolvido o problema da destinação final do lixo atômico – será possível obter eletricidade sem poluição.
12 Como se posiciona o hidrogênio nessa corrida? Vale o mesmo raciocínio usado para a eletricidade. Quando o processo de produção do hidrogênio líquido for limpo, ele será o menos poluente de todos os combustíveis.
13 A partir de quais matérias-primas se pode produzir etanol hoje no mundo? As mais desenvolvidas são o milho e a cana. Alguns países utilizam também a beterraba, o trigo e a mandioca. Brasil e EUA produzem 85% do etanol mundial (O Brasil produziu 21,5 bilhões de litros e os EUA, 24,5 bilhões de litros, na última safra). O terceiro colocado é a China, com 2,7% de participação nesse mercado. Em quarto lugar está a União Européia, com 2,5%.
14 Quais são os principais países produtores de etanol? Brasil (cana-de-açúcar), Estados Unidos (principalmente milho, mas com boa perspectiva de chegar primeiro ao etanol de celulose), Canadá (trigo e milho), China (mandioca), Índia (cana, melaço) e Colômbia (cana e óleo de palma). A Alemanha produz metade do biodiesel do mundo.
15 Quais as vantagens do etanol produzido a partir de cana-de-açúcar sobre os demais tipos de etanol? A primeira é a limpeza. Para cada litro de gasolina utilizado na lavoura ou na indústria, são produzidos 9,2 litros de etanol. No caso do etanol de milho, essa relação cai para 1,4 litro de etanol para cada litro de combustível fóssil empregado no processo. A segunda é a produtividade. No Brasil, são produzidos 7 500 litros de etanol por hectare plantado de cana. No caso do milho, cada hectare produz 3 000 litros.
16 Como se compara o etanol com os demais combustíveis verdes? O etanol é o único que alia maturidade tecnológica e baixo custo de produção.
17 Que outros países produzem etanol de cana-de-açúcar? A cana-de-açúcar se desenvolve melhor nas regiões entre os trópicos. Isso compreende a porção norte da América do Sul, África, sul da Ásia, norte da Oceania, América Central e sul da América do Norte. Mas hoje só China, Colômbia, Tailânda, Índia e Austrália têm produção regular.
18 Por que o etanol despertou a atenção mundial? Porque os Estados Unidos se renderam às evidências e, como são o maior consumidor de combustível do planeta, chamaram a atenção de todos para a inevitabilidade de conseguir um combustível limpo em curto prazo.
19 Os combustíveis verdes – e o etanol em especial – podem substituir o petróleo em outros usos que não o transporte? Quais são esses usos? A alcoolquímica, o equivalente do etanol para a petroquímica, já desenvolveu alguns produtos, como plásticos e resinas. Ainda são experimentais, mas começam a surgir negócios como a substituição de nafta por etanol na fabricação de tubos de PVC. É grande a expectativa sobre o plástico de etanol, que tem a vantagem de ser biodegradável.
Reuters |
Usina de Itaipu: do bagaço da cana pode-se obter tanta energia quanto a gerada pela maior das hidrelétricas |
20 O etanol se presta a usos como eletrificação e aquecimento? Isso é possível com a utilização do bagaço de cana que sobra na fabricação do etanol. Se todas as 336 usinas brasileiras estivessem produzindo eletricidade, trabalhando com a tecnologia mais avançada já disponível, o potencial de geração seria de 12 000 megawatts, em 2015, similar à capacidade da usina de Itaipu. Esse potencial poderá triplicar, nos próximos dez anos, com os novos processos em desenvolvimento.
21 Quando começou a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar? As primeiras experiências no Brasil foram feitas na década de 20, mas o grande impulso se deu na década de 70, quando foi criado o programa nacional do álcool.
22 Qual a parcela da frota brasileira que utiliza etanol? Dos 19 milhões de automóveis, cerca de 13,6 milhões são movidos a gasolina. Há 200 000 carros movidos a álcool. Outros 5,2 milhões são flex. No ano passado, 85% dos veículos novos saíram de fábrica com motor flex. A continuar assim, em 2015, quando a frota brasileira de automóveis estiver em 30 milhões de unidades, 19 milhões serão bicombustíveis.
23 O etanol poderá substituir a gasolina como o combustível mais usado no mundo? Não. Calcula-se que toda a disponibilidade de terras e condições climáticas seja suficiente apenas para a produção de 20% do combustível utilizado no mundo.
Foto Silvestre Machado/Opção Brasil |
CONSUMIDOR
24 Quais as vantagens do etanol sobre a gasolina para os consumidores? O álcool é menos econômico, mas dá mais potência ao motor. O benefício ambiental, no entanto, é o grande atrativo.
25 A partir de que diferença de preço o etanol passa a ser economicamente compensador? Como tem rendimento inferior ao da gasolina (é preciso mais álcool para o veículo percorrer a mesma distância), o álcool tem de custar, no máximo, 70% do valor da gasolina. Com o litro de gasolina a 2,50 reais, vale a pena usar o álcool se ele estiver, no máximo, a 1,75 real.
26 Existe uma proporção ideal de mistura de etanol e gasolina? Não. Com os carros flex, pode-se usar qualquer proporção desses combustíveis no tanque.
Cempe/Petrobrás |
A vantagem do etanol sobre a gasolina é que, por ter maior octanagem, torna os carros mais velozes. A Fórmula Indy adotou o combustível no ano passado |
Jamie Squire/Getty Images |
27 É melhor usar etanol puro ou misturado A gasolina? Não há diferença. Do ponto de vista econômico, a escolha depende do preço desses combustíveis na bomba.
28 É verdade que se deve intercalar o abastecimento de álcool com gasolina para manter o motor lubrificado? Não há necessidade. Os motores são feitos de ligas preparadas para trabalhar a vida inteira com álcool.
29 Deve-se optar pela gasolina no inverno? Os carros a álcool têm mais dificuldade para começar a funcionar em ambientes mais frios. Mas não é necessário substituir o combustível. Basta ter o reservatório de gasolina, localizado junto ao motor, sempre abastecido.
30 O etanol pode trazer danos ao motor? Pelo fato de o etanol ser mais corrosivo do que a gasolina, os motores dos carros flex e a álcool têm de ser fabricados com ligas especiais, mais resistentes.
31 O que muda no motor flex em relação aos convencionais, a álcool ou a gasolina? Ele tem sensores que identificam o tipo de combustível que se está usando (ou a proporção de cada um no tanque) e regulam o motor automaticamente.
32 Um motor a etanol tem a mesma durabilidade dos motores a diesel ou a gasolina? Não há diferença quanto à durabilidade.
33 Há o risco de comprar etanol adulterado, assim como ocorre com a gasolina? Sim, da mesma forma que acontece com a gasolina.
34 O que pode provocar variações no preço do etanol? Por ser um produto de base agrícola, o etanol está sujeito às variações de preço em razão da safra e de fenômenos climáticos. Essa situação só será resolvida quando for criado um estoque regulador. O preço do petróleo também influencia. Vira uma referência para o revendedor, que pode tentar aumentar sua margem de lucro.
35 O etanol brasileiro é caro ou barato, comparado ao de outros países? O etanol do Brasil é o mais barato do mundo. Essa é a razão dos altos impostos de importação mantidos pelos Estados Unidos, que chegam a dobrar o preço do etanol brasileiro importado.
36 Quem tem carro a álcool corre o risco de ficar sem combustível, por problemas na produção, a exemplo do que aconteceu recentemente com o veículo a gás no Rio de Janeiro e em São Paulo? O risco é baixo. O mercado de etanol já se desenvolveu a um ponto em que se tornou mais difícil aos usineiros reduzir sua produção de álcool para priorizar a exportação de açúcar, como ocorreu na década de 80. Mas o governo não deve abrir mão dos mecanismos de controle.
37 Veículos pesados, como caminhões, poderão usar o etanol como combustível? Para os veículos pesados, o mais indicado é o diesel. Nesse caso, a melhor alternativa energética seria o biodiesel, que ainda não conseguiu alcançar o mesmo patamar de produtividade que o etanol de cana-de-açúcar.
38 O automóvel perde força e velocidade? Ao contrário, ganha mais força de arranque e velocidade final.
MEIO AMBIENTE
39 O etanol ajuda mesmo no combate ao aquecimento global? A adoção do etanol é considerada um dos principais mecanismos de combate ao aquecimento global, pois reduz as emissões de CO2.
40 De que forma? Todo o gás carbônico emitido pelos veículos movidos a álcool é reabsorvido pelas plantações de cana-de-açúcar. Isso faz com que as emissões do gás sejam reduzidas. Além disso, a grande diferença em relação ao petróleo é que o etanol usa o gás carbônico retirado da atmosfera pelas plantas. O petróleo joga na atmosfera o gás carbônico armazenado no solo e não o reabsorve (veja quadro).
41 A cadeia produtiva do etanol – plantio, colheita, industrialização e distribuição – causa prejuízos ao meio ambiente? Há, sim, alguns impactos ambientais que ainda precisam ser eliminados. As queimadas são um exemplo. Em São Paulo, elas deverão ser totalmente abolidas até 2017. A vinhaça, o principal rejeito industrial da fabricação do etanol, também precisa ter destinação adequada para não contaminar os mananciais. Algumas usinas já a utilizam como adubo natural na lavoura de cana – não apenas por consciência ambiental, mas porque há uma redução de custos com fertilizantes.
42 A plantação de cana-de-açúcar consome água a ponto de afetar os mananciais? Esse é um risco. É necessário adotar mecanismos de reciclagem da água empregada no processo de fabricação. A produção de etanol em usinas mais ultrapassadas consome 21 000 litros de água por tonelada de cana. Hoje, as melhores usinas usam entre 5 000 e 1 000 litros. A sorte é que elas são maioria no país.
43 A plantação de cana pode provocar desmatamento na Amazônia e no cerrado? As entidades de produtores de etanol alegam que, embora o solo da Amazônia seja favorável à cana, o regime de chuvas da região Norte não é compatível com essa cultura. Isso, no entanto, não elimina o risco de que a expansão da lavoura de cana "empurre" em direção à Amazônia outras atividades igualmente indutoras do desmatamento, como a pecuária e a produção de soja.
44 O plantio da cana degrada o solo? Sim, pode reduzir a fertilidade da terra. Daí a necessidade de fazer o rodízio com a cultura de leguminosas, como feijão, amendoim e soja. A cana tem de ser replantada a cada seis anos. No intervalo de seis meses entre a retirada das plantas antigas e o replantio é que se alterna a cultura.
45 Por que muitos produtores de cana-de-açúcar queimam a lavoura antes da colheita? Para eliminar as folhas, o que abre espaço entre as plantas e evita que os trabalhadores se cortem com as folhas afiadas. A prática, no entanto, está condenada e terá de ser totalmente abolida no estado de São Paulo até 2017.
46 Qual é a destinação dos rejeitos da produção de cana? Além da vinhaça, usada na fertilização do solo, há o bagaço. Parte dele é empregada nas caldeiras para gerar energia. O que sobra é vendido às indústrias. Quase todo o suco de laranja produzido no Brasil utiliza o bagaço como fonte de energia. A palha (folhas secas) é usada também nas caldeiras. O que sobra fica no campo, como adubo.
Paulo Fridman/Corbis/Latin Stock |
Fabricação de suco de laranja: o setor usa o bagaço da cana na produção de energia |
47 As usinas de etanol utilizam combustíveis fósseis para funcionar? Para gerarem a própria energia, elas usam o bagaço de cana como combustível nas caldeiras. Entretanto, como toda atividade produtiva, o sistema de transportes que abastece as usinas utiliza combustíveis fósseis, como o diesel e a gasolina. Além disso, os defensivos agrícolas e adubos têm substâncias derivadas de petróleo em sua composição. Até o óleo usado nas máquinas entra na conta do balanço ambiental.
48 As usinas criam transtornos para a vizinhança? Um dos principais problemas é o odor que se espalha pelo ar, proveniente da fermentação natural do bagaço da cana e da vinhaça.
49 Quanto das emissões de gases de efeito estufa a produção de etanol poderá reduzir no futuro? Ela já reduz hoje entre 60% e 90% das emissões (dependendo da eficiência do processo de fabricação). Não há estudos que indiquem uma redução ainda maior.
IMPACTO SOCIAL
50 Há risco de que a produção de etanol prejudique a produção de alimentos no mundo? Parte da alta de preços de alimentos no mundo, no ano passado, pode ser atribuída à expansão da lavoura de milho voltada para a produção de etanol nos Estados Unidos, mas o mundo produz mais alimento do que consome. Em São Paulo a plantação de cana ocupou o espaço de pastagens, nos últimos anos, sem que a produção de carne bovina tenha diminuído.
51 Se isso acontecer, quais serão os efeitos? No Brasil, dificilmente isso ocorrerá. Dos 340 milhões de hectares disponíveis para plantio (aráveis) no país, somente 90 milhões seriam adequados à cultura de cana, que atualmente ocupa apenas 7 milhões de hectares (metade deles para a produção de açúcar). O que tem mais chance de acontecer é um deslocamento das lavouras à medida que a cana dominar os espaços antes ocupados por outras culturas. Pode haver ajustes de preços regionais por causa de mudanças na logística de abastecimento.
52 As relações de trabalho na indústria da cana-de-açúcar respeitam o trabalhador? Em geral, a realidade do cortador de cana ainda é muito difícil, com jornadas excessivas, baixa remuneração e condições sanitárias ruins.
53 O que gera mais empregos, a indústria de petróleo ou a de etanol? O etanol emprega vinte vezes mais mão-de-obra por litro produzido do que o combustível fóssil e alternativas energéticas como o hidrogênio e a eletricidade.
54 Em números absolutos, o que isso significa? São Paulo emprega 400 000 pessoas diretamente na produção do açúcar e do álcool atualmente. Mas, com o avanço das técnicas e a mecanização da lavoura, esse número pode cair à metade. Em outras regiões produtoras a tendência é a mesma, mas em ritmo menor.
ECONOMIA
55 Qual é o limite máximo da produção de etanol além do qual se pode prejudicar a disponibilidade de terras para outras culturas? Em tese, há ainda 77 milhões de hectares a ser ocupados no Brasil sem afetar o espaço dedicado a outras culturas. Atualmente, a cana-de-açúcar ocupa 7 milhões de hectares, menos do que a soja (22 milhões) e o milho (13 milhões).
Delfim Martins/Tyba |
Favas de soja: o plantio da cana pode crescer sem afetar a produção de alimentos |
56 Há no Brasil mão-de-obra qualificada para a produção de etanol em larga escala? Faltam, principalmente, profissionais de nível superior com qualificação específica, como engenheiros. Não há cálculos exatos desse déficit.
57 O Brasil compete em condições de igualdade no mercado internacional de etanol? O preço do etanol brasileiro é bastante competitivo. É até 50% mais baixo do que o do etanol de milho, o que explica o fato de o Brasil deter hoje 40% da produção mundial de etanol.
58 O Brasil subsidia os produtores de álcool? Não. Os subsídios foram pesados no passado, na primeira fase do programa do álcool, mas hoje não há nenhum subsídio aos produtores. O que existe é uma tributação diferenciada, que é maior para a gasolina do que para o etanol, por suas qualidades ambientais. A mesma política é adotada para o gás liquefeito de petróleo (GLP) e o diesel.
59 Quando começou a produção a sério de etanol nos Estados Unidos? Nos últimos três anos, o governo americano passou a dar mais ênfase à produção de etanol, como alternativa à dependência de petróleo e ao aquecimento global.
TECNOLOGIA
60 Existem alternativas para aumentar a produtividade da cana-de-açúcar? A principal delas é o desenvolvimento das novas tecnologias de extração de etanol das plantas. Os estudos indicam que se poderá até triplicar a quantidade de álcool se se passar a aproveitar o bagaço e as folhas da planta no processo de produção.
61 Por que o etanol produzido pelo Brasil, a partir da cana-de-açúcar, é melhor do que o produzido pelos Estados Unidos? A qualidade do produto final é igual. O que os diferencia é a produtividade. Um hectare de cana-de-açúcar produz 7 500 litros, enquanto 1 hectare de milho produz 3 000 litros.
62 O que o Brasil precisa fazer para obter e manter a liderança tecnológica? Investir pelo menos quinze vezes mais do que o atual patamar de 100 milhões de dólares por ano somente em pequisa para a obtenção da tecnologia de produção do etanol de celulose, que, além de aumentar a produtividade por hectare, possibilita a utilização de outras plantas e até mesmo de madeira.
63 O padrão técnico do etanol já faz dele um produto tão regular quanto a gasolina? Embora já se tenha avançado nesse campo, falta uma padronização mais rígida para que o etanol se torne um produto de consumo mundial e ganhe mercado.
64 Quantas variedades de cana-de-açúcar existem e qual é a mais produtiva para o etanol? São mais de 5 000 no banco de espécies para pesquisa, das quais 100 já têm uso comercial. Não existe aquela que se possa considerar a melhor. As grandes usinas chegam a trabalhar com dezenas de variedades simultaneamente, usando uma para cada espécie de solo e de topografia.
65 Quais os principais desafios do etanol? A padronização técnica, o zoneamento econômico-ecológico, em que se delimitarão as áreas de produção de forma que não afetem outras culturas nem a mata nativa da Amazônia e do cerrado, e a expansão do mercado internacional.
66 A produção de etanol por hectare plantado aumentou 40% nos últimos vinte anos. Quanto mais poderá aumentar? A perspectiva é que o melhoramento genético e a hidrólise (extração de etanol também das folhas e do bagaço) produzam ganhos de produtividade da ordem de 50%.
67 Quais são as próximas barreiras tecnológicas? O aprimoramento genético da cana e o desenvolvimento da tecnologia de lignocelulose, por meio da qual se poderá obter etanol de diversos outros tipos de plantas.
68 Quanto o Brasil está investindo em tecnologia? O Brasil investe 100 milhões de dólares por ano, enquanto os Estados Unidos investem 1,5 bilhão de dólares por ano somente em pesquisa.
69 Quanto seria o investimento ideal? O Brasil precisaria investir pelo menos quinze vezes mais do que isso para empatar com os Estados Unidos e se manter na disputa pela posição de liderança.
70 Caso os estados unidos cheguem antes ao Etanol de celulose, o Brasil estará ultrapassado? Não totalmente. Bons acordos podem garantir acesso à tecnologia. As plantas tropicais oferecem mais quantidade de biomassa do que as plantas de regiões temperadas. Até essa vantagem a natureza deu ao Brasil na corrida pelo combustível do futuro.
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