Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 19, 2008

Celso Ming - Mais oxigênio



O Estado de S. Paulo
19/3/2008

E saiu mais ou menos o que já se esperava. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) abriu ainda mais a torneira do oxigênio e baixou os juros nos Estados Unidos na dose forte de 0,75 ponto porcentual, para 2,25% ao ano.

Depois de tudo o que aconteceu no mercado financeiro nos últimos dez dias, haviam crescido as apostas num corte maior, de 1 ponto porcentual.

O Fed argumentou que as pressões inflacionárias aumentaram e, com isso, ficou entendido que baixar mais do que três quartos de ponto seria brincar com fogo. Mas o motivo pode ser outro: o de não deixar que o dólar desabe muito mais do que já vem desabando. A partir do momento em que saiu o corte dos juros mais baixo do que o esperado, o dólar se recuperou no mercado.

De todo modo, um corte de 3 pontos porcentuais em apenas seis meses é muita coisa. Além disso, esses 2,25% ao ano são juros reais negativos, porque a inflação está bem mais alta. Em janeiro, a evolução dos preços ao consumidor (custo de vida) em 12 meses foi de 4,3% e as projeções para todo este ano são de um avanço de 3,2%, conforme aponta a revista The Economist.

Isso significa que os aplicadores em títulos do Tesouro americano (T-bonds) terão de enfrentar não apenas juros insignificantes, mas, também, a desvalorização do dólar. Ainda assim, os T-bonds continuam sendo o refúgio preferencial dos aplicadores movidos a medo, não porque proporcionem boa rentabilidade, mas porque garantem resgate no vencimento.

Os dois objetivos institucionais da política monetária (política de juros) do Fed são o combate à inflação e ao desemprego. Embora o comunicado divulgado ontem depois da reunião do Fed mencione o crescimento do risco de inflação, os juros estão sendo remarcados agressivamente para baixo não mais para atacar a inflação ou a ameaça de desemprego, mas para estancar o alastramento da crise.

Está equivocado quem entende que o principal risco da economia americana seja o mergulho na recessão. No momento, é a crise de confiança que desestabiliza o mercado financeiro. O Fed tenta apenas garantir ambiente para desobstruir os canais do crédito e a sobrevivência dos bancos.

Muita gente pode não entender por que o Fed entregou o Bear Stearns a preço de galinha morta ao JP Morgan. A rigor, a razão disso foi uma só: garantir o cumprimento dos contratos.

O Bear sofreu uma corrida dos aplicadores que em apenas dois dias (últimas quinta e sexta-feira) sacaram US$ 17 bilhões. Não há banco capaz de resistir a uma sangria dessas. Se falisse, depositantes e aplicadores perderiam tudo. Ao ser repassado para o Morgan, o passivo do Bear vai ser honrado.

Se fosse abandonado à própria sorte, o mercado entenderia que os demais bancos estariam sujeitos ao mesmo tratamento e, nessas condições, um a um correria o risco de cair, como uma fileira de peças de dominó. E sem um sistema financeiro saudável (hígido) não há como exercer a política monetária.

Apesar da recuperação do dólar na tarde de ontem, a tendência continua sendo de desvalorização. Neste ano, até ontem, foi uma queda de 6,6% ante o euro, de 10,7% ante o iene e de 4,9% ante o nosso real.

Confira

Salvar para não entregar - Editorial publicado na edição de ontem pelo The New York Times sugere que o resgate do Bear Stearns não é só questão de segurança bancária. É, também, de segurança nacional.

Lembra que, nos últimos meses, gordas fatias do Citigroup, Merrill Lynch e Morgan Stanley foram assumidas pelos fundos soberanos de Abu Dabi, China, Kuwait e Coréia do Sul.

E adverte que esses acordos podem ser um bom conserto de curto prazo, mas transferem para governos estrangeiros participações crescentes do sistema financeiro americano.

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