Dora Kramer - Torto de nascença
O Estado de S. Paulo
19/3/2008
Não há a menor chance de Executivo e Legislativo chegarem a alguma conclusão minimamente razoável sobre as regras de edição e o rito de tramitação de medidas provisórias.
Partindo daquele princípio de que o que nasce torto morre torto, tudo aponta para o grande risco de, no fim, as coisas ficarem ainda piores do que já estão.
Basta ver o teor das posições postas à mesa. De um lado, o Congresso quer que o presidente da República reduza o número de medidas provisórias e propõe que elas não interditem mais a pauta do Legislativo.
De outro, o Planalto sugere o aumento do prazo de validade das MPs para quase um ano, fala de “flexibilização” do trancamento da pauta - palavras sem significado objetivo - e procura ganhar tempo para ver se consegue administrar o que identifica como uma ofensiva aliada para criar dificuldades a fim de vender facilidades.
Cada uma das partes em litígio fala um idioma diferente e nenhuma delas vai ao centro da questão: o respeito aos princípios de urgência e relevância impostos pela Constituição como pré-requisitos para uma medida provisória sair do Executivo e tramitar no Legislativo.
Chega a ser cansativa a repetição de uma obviedade desse tamanho.
O problema não é a regra da medida provisória. Esta já foi mudada uma vez e pode ser alterada outras tantas que, enquanto o Planalto puder construir e manipular maiorias no Parlamento a golpes de Diário Oficial, não há disciplina normativa que dê jeito no desequilíbrio entre os Poderes.
E onde está o problema? Em vários pontos: na lentidão inerente a um processo legislativo visivelmente caduco, que torna indispensável aos presidentes a posse de instrumento ágil de governo; na hipertrofia de um Executivo sem freios em sua total falta de cerimônia no abuso de medidas provisórias; na submissão e desorganização interna de um Parlamento que perdeu a noção de suas prerrogativas.
Tanto perdeu que não percebe o quanto é humilhante mendigar ao Palácio do Planalto a redução no número de MPs enquanto a Constituição lhe confere a primazia de rejeitar tudo o que não considere adequado aos critérios de relevância e urgência.
Antes disso, porém, seria necessário o Congresso chegar a um consenso ele mesmo a respeito do que é relevante ou urgente. Mas, tão queixoso da interferência do Judiciário em seus negócios, o Legislativo deixa essa questão dormitar no Supremo Tribunal Federal que, por sua vez, já deu sinais de que considera esse um assunto típico da jurisdição parlamentar.
Como não há definição explícita, as coisas ficam por conta da subjetividade da maioria que sempre combinará seu critério de relevância e urgência ao interesse do Planalto e aí voltamos à submissão como fator preponderante nos abusos do Executivo.
Qualquer que seja a regra alterada sob os auspícios dessa maioria parlamentar sem autonomia, evidentemente tenderá a reproduzir a lógica da supremacia de um Poder sobre o outro.
Quando o governo fala em “negociar” a alteração no rito das MPs e ainda põe a vírgula para avisar, “desde que” não se limitem os seus espaços de atuação, está dizendo à tropa que negócio tem limite.
Essa discussão sobre as MPs poderia até ser vista como uma manifestação de independência do Congresso, mas, nos termos em que está posta, é degradante porque pressupõe a negociação de uma prerrogativa constitucional.
Ciro em Minas
O deputado e candidato do PSB à Presidência da República, Ciro Gomes, estará hoje em Belo Horizonte para conversar com o governador Aécio Neves.
Agradaria sobremaneira ao tucano Tasso Jereissati que a visita fosse vista como uma aproximação para formação de chapa presidencial para 2010.
Mas, por enquanto, o assunto é regional: a aliança do PSDB com o PT para lançamento da candidatura de Márcio Lacerda, do PSB, para a prefeitura de Belo Horizonte, articulada pelo governador Aécio Neves.
Aécio se movimenta para evitar que o Diretório Nacional do PT vete a aliança na reunião do próximo dia 24. Já falou com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, e hoje conversa com Ciro.
Acha que os dois podem dar uma boa ajuda junto ao presidente Lula.
E se o PT vetar?
A aliança sai de qualquer jeito porque, como tem dito o prefeito petista Fernando Pimentel, prefere dividir uma vitória com Aécio do que correr o risco de amargar uma derrota sozinho.
O acerto em BH entre Aécio e Pimentel é absolutamente pragmático. Pesquisa Vox Populi indica que 86% da população da cidade apóia a composição.
Dito assim, parece que o acordo só é vantajoso para o PT. Eleitoralmente é bom para ambos, mas politicamente falando, para Aécio é melhor.
Ganha impulso essencial ao posto de conversador geral da República, ao qual vem buscando se credenciar desde que Fernando Henrique disse que José Serra era o candidato do PSDB a presidente.
Entrevista:O Estado inteligente
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