Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

AUGUSTO NUNES- SETE DIAS

Eles viram o coração das trevas


Um dos quatro prisioneiros libertados pelas Farc, Luis Eládio Pérez deixou para depois o relato do próprio drama, que durou seis anos. Achou mais urgente falar de Ingrid Betancourt. Os dois eram senadores quando foram seqüestrados em fevereiro de 2002. Empreenderam juntos, em 2005, uma tentativa de fuga frustrada pela má saúde de Pérez. Ambos completaram seis anos de cativeiro na semana passada, quando o horror enfim acabou só para ele. Ingrid continua no coração das trevas.

"Embora tenha uma hepatite B e seu estado seja crítico, os guerrilheiros a maltratam muito", contou Pérez, que viu a amiga há 26 dias. "Ingrid agora é a única mulher em poder das Farc", lembrou a ex-senadora Gloria Polanco, também libertada na quarta-feira. "Se não for socorrida já, pode morrer em pouco tempo".

Confrontado com as informações sobre a prisioneira agonizante, o presidente venezuelano Hugo Chávez, que festejava o resgate de mais quatro, entendeu que logo pode haver uma a menos. Exonerou o sorriso amplo, instalou vincos na testa e mandou uma mensagem ao parceiro de negociações.

"Marulanda, a primeira coisa que te peço, do fundo do meu coração, é que leve Ingrid urgentemente para um lugar mais perto de você", discursou Chávez. O destinatário do apelo era Manuel Marulanda, o Tirofijo , no comando das Farc há pelo menos 30 anos - e internado nas selvas da Colômbia desde 1954.

Quando Marulanda resolveu derrubar o governo e instaurar o regime comunista, ainda não existiam o rock, a caneta Bic ou o cigarro com filtro. O presidente do Brasil era Getúlio Vargas. Stalin morrera meses antes, Mao Tsé-tung chegara ao poder havia cinco anos e faltavam cinco para Fidel Castro virar El Comandante de Cuba.

Marulanda assimilou algumas modernidades. Submetralhadoras e fuzis de última geração, por exemplo. E descobriu o filão do narcotráfico, explorado com tamanha gula que hoje garante a compra de armas para milhares de homens e o suporte logístico da tropa. O chefão das Farc ficou mais cruel. Só não mudou o palavrório dos anos 50.

A revolução socialista é para homens durões, recita. Um soldado do povo não pode ser clemente com agentes do imperialismo ianque e dirigentes da burguesia exploradora, caso de Ingrid Betancourt. Os quatro libertados na quarta-feira - além de Gloria e Pérez, o grupo incluiu o ex-senador Jorge Gechen e o ex-deputado Orlando Beltrán - receberam o tratamento habitualmente dispensado pelas Farc a prisioneiros de guerra.

Todos ficaram três anos acorrentados. (Isso mesmo: três anos a fio, 24 horas por dia). Todos foram freqüentemente obrigados a caminhar descalços pela selva. Gloria soube na selva que o marido fora assassinado pelas Farc. Gechen sofreu sete pré-enfartes sem receber cuidados médicos. O exército da infâmia faz o que ordena o general. Por que Marulanda se comoveria com o apelo de Chávez?

Ingrid teria mais chances de salvação se o negociador fosse Fernandinho Beira-Mar, amigo dos chefes das Farc desde que foram sócios no narcotráfico. "Os caras são capitalistas, só pensam em dinheiro", constatou. Em poucos minutos de conversa, Marulanda e Beira-Mar chegariam a um preço justo.

Cabôco Perguntadô

Informado de que a CPI das ONGs convocou o reitor Timothy Mulholland para depor sobre as aulas de gastança irregular que tem ministrado na UnB, o Cabôco sugere aos parlamentares da comissão que sigam a pista do saca-rolhas de R$ 858. As garrafas de vinho que andou abrindo certamente custaram mais, deduziu o Perguntadô. É preciso descobrir quantas foram, que língua falavam, qual foi o tamanho da conta e quem bancou a bebedeira. Também recomenda à CPI que dê uma geral na adega do chefão da UnB. Acha que ali tem coisa. E acredita que o confisco do estoque pode reduzir o estrago provocado pelo refinado Mulholland, com o gentil patrocínio de seus comparsas da Finatec.

Croques fazem bem à cabeça

Ao distribuir entre governos estaduais verbas cujo montante é fixado por critérios técnicos, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, cumpriu a lei. Ao valer-se de critérios suspeitíssimos para distribuir dinheiro do ministério entre entidades (algumas inexistentes) comandadas por amigos, parentes ou correligionários, o presidente do PDT, Carlos Lupi, violou a lei. Convidado a explicar o crime, misturou as cifras, garantiu que Estados governados pelo PSDB receberam mais que os outros, declarou-se acima de qualquer suspeita e informou que foi armado um complô para prejudicá-lo. Até agora, só conspiram contra Lupi alguns artigos do Código Penal e dois ou três dos Dez Mandamentos.

O mocinho do filme era ladrão

Quase no fim da Operação Dominó, encenada em 2006, a platéia soube que o mocinho era um bandidaço disfarçado de juiz. Como a realidade do Brasil dos grotões supera qualquer faroeste do cinema americano, poucos se espantaram com a descoberta de que o presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, Sebastião Teixeira Chaves, era um dos 22 figurões presos pela Polícia Federal por tungarem R$ 70 milhões dos cofres públicos. E ninguém se surpreendeu com o desfecho do filme. O Conselho Nacional de Justiça aplicou ao colega ladrão a pena máxima: aposentadoria compulsória. Chaves vai continuar recebendo salários, e sem trabalhar. Terá tempo de sobra para gastar o que roubou.

Assombração no ministério

Ao saber do furto de equipamentos com informações sigilosas da Petrobras, o presidente Lula fez o que sempre faz quando está muito confuso: chamou a Dilma. A superministra já tinha o que dizer minutos depois. "Todos os indícios parecem mostrar que se trata de espionagem industrial", avisou no dia 17. No dia seguinte, o ministro Tarso Genro transformou a suspeita em certeza: "Esse furto tem de ser tratado como questão de Estado, que envolve a Abin e a Polícia Federal. São interesses geopolíticos".

Nesta quinta-feira, a PF concluiu que houve um crime comum, praticado por larápios da terra. Ou Dilma e Tarso andam vendo assombrações ou os federais não enxergam nada.

Yolhesman Crisbelles

Criado para premiar também frases cretinas e monumentos ao cinismo, o troféu vai nesta semana para Geraldo Ribatski, assessor florestal da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, pela descoberta de que, na capitania de Blairo Maggi, a Amazônia é cuidadosamente preservada:

Os pontos identificados pelo Inpe como desmatamentos em Marcelândia são antigos ou inexistentes. Essa é a realidade em 100% dos pontos. Não vimos nenhum desmate que tenha ocorrido no último trimestre.

Fica combinado, portanto, que o ronco das motosserras é mera ilusão auditiva. E que onde se vêem plantações de soja o que existe é mata virgem.

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