O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, parece ser a única voz sensata no governo diante da nova onda de incerteza na economia mundial. Nada de bravatas do tipo “estamos imunes” ou “a crise não chegou a Copacabana”, segundo o ministro da Fazenda.
Em reunião internacional, realizada no Rio, na sexta-feira, Meirelles utilizou a palavra certa: “O Brasil está sereno”. Mas acrescentou: “Estamos aguardando o desenrolar da economia mundial, a situação nos EUA, que é a maior preocupação nos diversos mercados.”
Mas e a reação positiva dos países emergentes, como Brasil, Rússia e Índia, que continuam crescendo? “Os primeiros reflexos no Brasil e nas economias emergentes foram menores do que se esperava, o preço das commodities é um bom indicativo, mas, evidentemente, é muito prematuro para que cheguemos a alguma conclusão... Vamos ver como os mercados emergentes reagirão à desaceleração econômica... e à nova injeção de liquidez do banco central americano”, afirma ele.
Em outras palavras, é tempo de espera, de seguir se preparando para o que está por vir; nada de invenções fantasiosas, como a idéia de Mantega de criar o tal fundo soberano. Às vezes, acho até bom que eles deixem de ter idéias luminosas e se limitem ao receituário sobejamente conhecido para enfrentar crises; está em todos os manuais de economia e foi aplicado com êxito nas crises das duas décadas anteriores.
SERENO, MAS VIGILANTE
Meirelles, o realista solitário do bom senso, afirmou que o Brasil está preparado e sereno, mas, ao mesmo tempo, ao contrário dos seus efusivos colegas da área econômica, alertou: “Não há dúvida de que a situação é muito difícil... compete ao BC estar vigilante, acompanhando a evolução dos mercados.”
Essa posição foi muito oportuna no dia em que os mercados tremeram, chocados com mais dados negativos da economia americana. Maior nível de desemprego, agora em 4,8% da força de trabalho, embora com rendimento ligeiramente maior, 0,3%. Até Bush mudou de tom e admitiu que está preocupado e agindo em tempo para reanimar a economia.
Em meio ao susto, o petróleo passou de US$ 106, puxado pela especulação, a inconsciência da Opep e pelo recuo do dólar. O Fed apressou-se em injetar US$ 100 bilhões no mercado, prometendo mais US$ 100 bilhões nesta semana.
No fim da tarde de sexta-feira, corriam rumores de que o Fed poderia até antecipar o corte do juros, esperado para a reunião do dia 18. Parecia certo que a redução seria de 0,75 ponto porcentual, mas poderia vir mais. Presidentes regionais do Fed desmentiram a precipitação, mas tudo vai depender do desenrolar dos acontecimentos nesta semana.
RECESSÃO, RETRAÇÃO
Ao mesmo tempo, as interpretações variavam. Para Michael Woolfolk, estrategista sênior do Bank of New York Mellon, a perda de empregos e a queda nos índices da indústria e da construção desde o início de 2007 “são sinais de que a atividade econômica está desacelerando.” Mas, para John Ryding, economista-chefe do Bear Stearns, “o declínio do emprego é uma forte indicação de que a economia caiu na recessão”.
EUROPA E ÁSIA DECISIVAS
O que estamos vendo, de verdade, é um forte desaquecimento gradual da economia americana. Não há os sinais recessivos de desemprego em massa, de falências, que caracterizam as grandes crises. Ninguém ainda se suicidou, só os loucos muçulmanos, que se explodem até em velórios.
O PIB americano vai crescer menos de 2%, e isso, ou algo mais, vai depender, em grande parte, não tanto da evolução do mercado financeiro americano, mas dos efeitos da crise nos países grandes importadores, Europa e Ásia. O Japão já se entregou há muito tempo, a China resiste e seus parceiros asiáticos ainda vão bem.
Está faltando decisão ao Banco Central Europeu, que manteve a taxa de juros em 4%, nesta semana, com medo da inflação de 3,2%. É da capacidade da Ásia e da Europa de absorver exportações americanas que vai depender, em grande parte, a recuperação da economia americana e mundial. Não há, ainda, nada de dramático, a desaceleração é gradual, sem grandes saltos, mas esse é um cenário sombrio, que preocupa o único homem de bom senso na área econômica do governo, Henrique Meirelles.
É AGIR, NÃO ESPERAR
É pelo recuo do comércio mundial que a crise financeira vai nos contagiar. Estamos muito iludidos com o desempenho das exportações neste início de ano, mas é importante atentar que isso ocorre sempre nos primeiros meses, nos quais se concentra o grosso das exportações das commodities agrícolas. Elas representaram 36,3% das nossas exportações no ano passado e se destinaram, em grande parte, aos mercados europeu, hoje declinante e ainda mais intensamente protegido, e asiático. Os grandes números decorrem não tanto do volume exportado, mas dos preços elevados - eles mesmos sensíveis à retração do consumo mundial.
É exatamente por isso que urge ao governo pôr em prática medidas de estímulo às exportações, estreitando a porta ainda aberta pela qual seremos afetados pela crise. Afinal, o ano apenas começou, e nada indica que a tempestade lá fora tende a amainar.
*E-mail: at@attglobal.net
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, março 09, 2008
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