O antídoto natural
O mercado americano já começa a curar
as feridas de seus próprios excessos
Julia Duailibi
Executive Jet/NYT |
O bilionário Warren Buffett, que ofereceu socorro a seguradoras |
O ano de 2008 começou inundado de informações negativas sobre o desempenho da economia americana. As bolsas de valores amargaram os piores dias desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, e cresceram as apostas na tese de que os Estados Unidos entrarão em recessão – arrastando, assim, parte considerável do mundo. Tudo indica que os americanos foram longe demais durante os anos de euforia e terão de enfrentar, no mínimo, uma ressaca incômoda. Para evitar o pior, o Fed, o banco central do país, já injetou 130 bilhões de dólares no sistema financeiro. Ele teme um credit crunch,como é chamada a forte contração de crédito em que nem os bons pagadores conseguem obter financiamento. Mas uma novidade desponta nesse manancial de más notícias. Em um ambiente de preços baixos, investidores e consumidores começam a enxergar oportunidades de negócio onde a maioria só vê crise. Com isso, estimulam o comércio e ajudam naturalmente o país mais rico do mundo a se reerguer.
Na semana passada, o megabilionário Warren Buffett, dono da segunda maior fortuna pessoal do planeta, ofereceu um plano de socorro às três principais firmas americanas de seguro de títulos municipais. Essas empresas, que originalmente vendiam apenas seguro para a emissão de títulos por prefeituras, enrolaram-se até o pescoço depois que passaram a avalizar papéis de dívidas classificadas como subprime (de risco elevado de calote). Buffett propôs-se a injetar capital nessas seguradoras e assumir obrigações de 800 bilhões de dólares. Ele deixou claro que não é a benemerência que o move: "Quando chegar a São Pedro, com certeza não usarei isso como argumento para entrar no céu. Estou mesmo atrás de lucros", afirmou. Em outras palavras, ele farejou que lá havia um bom negócio. Como as seguradoras estão à beira do nocaute, o investidor poderia adquirir por um preço baixo títulos que, no futuro, poderão se transformar em papéis valiosos e lucrativos. Uma das empresas negou a proposta, mas as outras ainda estão avaliando suas alternativas. Mesmo assim, ela surtiu efeito imediato e deu novo ânimo aos investidores. Após o anúncio de Buffett, as bolsas americanas chegaram a reagir positivamente, e as ações se valorizaram.
A oferta de Buffett ecoa as lições do filósofo escocês Adam Smith (1723-1790), para quem a prosperidade e a regulação das economias não são produto da benevolência, mas do egoísmo. Segundo Smith, ao agir em benefício próprio, cada pessoa promove o bem geral, algo que não fazia parte de seu objetivo original. Buffett não é o único a fazer parte dessa filantropia involuntária. Milhares de consumidores lotam os diversos leilões de casas e apartamentos que foram tomados de devedores inadimplentes após o estouro da bolha imobiliária. A procura tem sido grande justamente porque o preço dos imóveis despencou. Nos leilões, as casas saem até por menos da metade do valor que tinham no auge da euforia (imobiliárias da Califórnia vendem por 120 000 dólares apartamentos que, originalmente, valiam 300 000). Mais de 90% dos imóveis oferecidos acham interessados. É bom para os compradores, que recebem a chance única de adquirir imóveis baratos. É bom para a economia, que elimina o estoque de casas desocupadas e se recupera assim mais rapidamente da crise imobiliária.
O estouro de bolhas pode levar a recessões devastadoras, como o crash de 1929. Em quatro anos, o PIB americano encolheu 45%. Mas catástrofes financeiras podem trazer efeitos benéficos. Entre 1846 e 1852, a euforia com os telégrafos incentivou um surto nos investimentos nos Estados Unidos. A capacidade cresceu mais de dez vezes – muito acima da demanda. Várias empresas foram à falência, houve a perda de milhões de dólares em investimentos e de milhares de empregos. Mas, dez anos depois da quebradeira, pôde-se perceber o lado positivo daquela bolha: a oferta ampla e barata dos serviços de telégrafo possibilitou o surgimento de vários outros negócios, como a agência de notícias Associated Press e a comercialização de informações econômicas e financeiras. O surgimento desses serviços só foi possível porque o preço das transmissões caiu muito e se tornou acessível a mais empresas e pessoas. Essa é a lógica renovadora que faz do capitalismo o dínamo mais poderoso de geração de riquezas. É a essa lógica que se refere a seguinte frase, dita na semana passada pelo presidente George W. Bush: "A genialidade de nosso sistema é que ele consegue absorver choques e emergir ainda mais forte".