A ética do iogurte
Para senadores, decência tem prazo de validade:
só precisa durar o período de um mandato
Marcelo Carneiro
Rodrigues Pozzebom/ABR |
O recém-empossado senador Lobinho, acusado de sonegação: o passado não importa |
O Senado Federal vem se notabilizando por algumas invenções inusitadas. No ano passado, ao manter por sete meses no comando da Casa o moralmente prejudicado Renan Calheiros, criou o "presidente-assombração": aquele que vaga pelos corredores e atormenta os vivos, mas não existe na realidade. Agora, ao lançar com foguetório e autolouvação um pacote supostamente destinado a elevar os padrões de conduta da instituição, inventou mais uma: a ética com prazo de validade, ou a ética iogurte. Na semana passada, os parlamentares aprovaram um projeto de resolução que determina o afastamento temporário, dos cargos de direção da Casa, de qualquer parlamentar acusado por denúncias aceitas no Conselho de Ética. O texto representaria um avanço – não fosse o fato de incluir uma emenda feita sob medida para proteger parlamentares encrencados com a Justiça. Pela emenda, o Conselho de Ética não poderá aceitar denúncias que se refiram a episódios ocorridos fora do exercício do mandato. Ou seja: um político ou aspirante à carreira pode cometer todos os crimes previstos no Código Penal, desde que o faça antes de ser eleito. Nesse caso, não será incomodado por seus pares.
A resolução beneficia diretamente parlamentares como o recém-empossado senador Edison Lobão Filho (DEM-MA), conhecido por seus muitos desencontros com a lei. Mesmo antes de assumir a vaga deixada pelo pai – Edison Lobão, nomeado ministro de Minas e Energia –, Lobinho já era acusado de ter negociado ilegalmente uma concessão de canal de televisão, de ter usado uma empregada doméstica como laranja e transferido a ela ações de uma empresa devedora de 42 milhões de reais ao Fisco.
Ailton de Freitas/Ag. O Globo |
Renan: emenda foi feita sob medida para evitar sua degola no ano passado |
Embora favoreça Lobinho, a emenda iogurte foi criada, na verdade, para beneficiar uma raposa: Renan Calheiros. Em outubro do ano passado, o projeto de resolução que acaba de passar no Senado estava ainda em discussão. Sua aprovação naquele momento significaria o afastamento imediato do supra-enrolado Renan. Para livrarem o alagoano, seus aliados impuseram como condição para a aprovação da resolução a inclusão da emenda iogurte, que foi apresentada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), sempre ele. A manobra tinha uma razão: o uso de laranjas para a compra de emissoras de rádio, acusação que ameaçava Renan, ocorrera em 1998. Embora ele já fosse senador naquele ano, seu mandato era anterior ao atual. Sim, porque a ética com prazo de validade inventada por Jucá e aprovada pelo Senado não livra os parlamentares apenas de acusações referentes ao período anterior à sua eleição, mas também os imuniza contra denúncias feitas na vigência de mandatos anteriores. Raposas, lobinhos e gaviões, portanto, podem respirar aliviados: no Senado Federal, ninguém tem um passado que o condena.