O Estado de S. Paulo |
15/2/2008 |
Os cartões de crédito corporativos, a princípio, são uma boa idéia. Antes do surgimento deles, as pequenas ou emergenciais despesas do governo eram pagas em dinheiro vivo, causando transtornos desnecessários no caixa, ou então eram quitadas pelo próprio agente administrativo, que, para recuperar o que gastou, tinha de apresentar um longo e circunstanciado relatório justificando o porquê daquele dispêndio. Prática adotada em quase todos os países adiantados, eles surgiram por aqui na gestão de FHC. Entre outras vantagens, o cartão de crédito apresenta, em seus extratos, o que, quanto, onde e quando se realizaram as despesas. Mas no Brasil, onde há quem guarde dólares na cueca e existe gente disposta a falsificar cédulas de R$ 2, algum tipo de fraude ainda haveria de ser inventada tendo por base o vulnerável e flexível “dinheiro de plástico”. No início, apenas autoridades de primeiro escalão e sua assessoria direta tinham direito de portar o cartão. Logo, como seria de prever, autoridades de menor expressão fizeram uma irresistível pressão para que o benefício fosse estendido a elas. Quando o volume de cartões passou da casa do milhar, não havia mais auditoria, por mais eficiente que fosse, capaz de analisar e controlar um a um. O problema agravou-se com o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder. Ser portador de um cartão dava status. Além de demonstrar o prestígio de seu detentor, ele representava uma espécie de “licença para gastar”. O volume de cartões se multiplicou, a ponto de tornar impossível a sua checagem e análise. Além disso, virou praxe o saque em dinheiro, nos caixas eletrônicos, o que tornava impraticável checar o destino do dinheiro. Nos dias de hoje, qualquer barnabé bem relacionado obtém com facilidade o seu cartão corporativo e sai por aí, a gastar impunemente. Apesar de já existirem vários milhares de cartões, não se tem notícia de um único servidor público que tenha sido punido pelo seu uso impróprio. O partido que se diz do povo se vale do dinheiro do próprio povo para custear as suas mordomias. E ninguém tem o direito de reclamar, visto serem seus membros legítimos delegados do próprio povo. Ficam criados, assim, além dos gastos de consumo supérfluo da odiosa burguesia, os dispêndios indispensáveis para o trabalho dos agentes do povo - não importando, no caso, que os tipos de despesas sejam idênticos. Vá lá que era o próprio PT, quando estava na oposição, o campeão inconteste dos requerimentos de CPIs. Mas agora, meia década passada, o partido amadureceu. E todos ali concordam com a tese de que tais comissões só servem para fazer barulho. Pode existir iniciativa tão impatriótica? Provavelmente, não. E é por isso que os bravos parlamentares do PT lutam, no limite de suas forças, para impedir que tal comissão seja instalada. Se isso não for conseguido, a alternativa será o caos. Haverá inúmeras acusações levianas e sem fundamento por parte da ala oportunista da oposição; todos terçarão armas com todos para que, no final, pouca coisa seja comprovada. E assim vai mais um ano legislativo, o qual o presidente Lula pretendia que fosse utilizado para as imprescindíveis reformas de base, tão necessárias ao País. Quais seriam as tais reformas? Ora, o governo já acenou que pretende criar um grupo de estudos para analisar quais reformas mereceriam prioridade. Como estes trabalhos demandam tempo, o presidente espera contar com as inestimáveis contribuições de seu secretário para ações a longo prazo, o qual, até lá, já teria concluído o ciclo básico de seu curso de Português. Pelo que se sabe, ele já aprendeu a manejar, com maestria, a máquina eletrônica em que opera o seu cartão corporativo. Ao invés de promover inúteis CPIs, os congressistas poderiam, por exemplo, editar um livro com todos os discursos proferidos, até hoje, nos microfones das duas Casas, nesta legislatura. Os jovens ficariam sabendo, em detalhes, como o idioma português foi sendo barbaramente torturado e esquartejado pelos oradores das tribunas. E quanto ao Lula? Este poderia governar em paz. Enquanto o texto das reformas de base não fica pronto (como já se passaram cinco anos, muita gente maldosa insinua que o presidente não pretende realizar reforma nenhuma…), Lula poderia dedicar-se com maior afinco àquela que é a sua obra maior, o Programa Bolsa-Família. Ele - quem diria - nasceu quase por acidente. O presidente Lula, em seu primeiro dia de trabalho, anunciou à Nação, com toda a pompa possível, que iria erradicar o fantasma da fome no Brasil. Imediatamente deu posse ao ministro encarregado da façanha, o economista José Graziano. Os publicitários foram rápidos na elaboração do nome do programa, que passou a ser conhecido como Fome Zero - aberto às contribuições voluntárias dos cidadãos comuns. Mas, se o marketing foi rápido, as ações efetivas teimavam em não sair do papel. Quem salvou a cara do governo Lula foi algum tecnocrata gaiato que alertou o presidente de que o cadastro de nomes já existia desde o governo FHC. O então presidente criara um programa social, com a devida lista de nomes, em que constavam todas as mães do País com filhos em idade escolar. A idéia era conceder benefícios a essas genitoras, desde que seus filhos fossem assíduos nas escolas. Havia dois preciosos cadastros mais: o Bolsa-Escola e o Vale-Gás. Lula unificou os três cadastros, deu a esse somatório o nome de Bolsa-Família e, a partir daí, ampliou o programa até atingir 11 milhões de famílias. Do jeito que os cartões corporativos estão se multiplicando, que ninguém duvide que o governo ainda acabe criando o “Vale-Cartão”. Afinal o programa do PT prega que sejamos todos iguais, não é mesmo? |
Entrevista:O Estado inteligente
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