Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Pizza à vista


Editorial
Correio Braziliense
13/2/2008

Arranjo de última hora culminou a barulhenta refrega política no Congresso em torno da criação de CPI mista para apurar supostas fraudes no uso de cartões corporativos da administração federal. Oposição e governo formalizaram acordo difícil de passar à opinião pública sem reações de suspeita sobre se existe mesmo vontade de chegar à verdade e a resultados consistentes. O entendimento estendeu as atividades investigativas a 1998, período de gestão de Fernando Henrique Cardoso. Mas as partes convencionaram que tanto as contas pessoais do ex-governante quanto as do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficariam fora do alcance da CPI.

O interlocutor do Palácio do Planalto nas conversações com líderes oposicionistas, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), por meio de frase curta mas de grande poder sugestivo, reduziu a simples trivialidade o pacto firmado: “O acordo é fazer uma investigação institucional, verificar os gastos públicos e a transparência. Não vamos fulanizar”. É quase nada para o contribuinte, que espera revelações por inteiro sobre o montante dos desvios de recursos públicos, identificação de quem os desviou e a submissão dos culpados às barras dos tribunais.

Se acaso a definição de Sampaio é partilhada pela oposição —no fundo, singela tomada de contas para diagnosticar o grau de transparência na movimentação de somas sacadas sobre o erário —, seria bastante entregar o problema ao escrutínio da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Não é o caso. Os dados divulgados pela mídia sobre graves indícios de ilegalidade em pagamentos e saques feitos com cartões corporativos exigem devassa obstinada do Poder Legislativo. É para cumprir deveres do gênero que o instituto da comissão parlamentar de inquérito desde sempre figura na ordem constitucional republicana.

É claro que o número de agências públicas e prepostos envolvidos em suspeições desenha vasto arco de incidência a ser percorrido pela CPI. Mas a amplitude do universo sujeito à ação do órgão, desafio de enorme magnitude, não é suficiente para justificar qualquer leniência ou gestos ditados para salvar reputações, não importa quantas possam ser atingidas.

A comparação entre as estrepitosas manifestações que marcaram o debate inicial e o acordo entre oposição e governo celebrado no silêncio dos corredores faz gerar a presunção de que a CPI, como outras tantas, acabará em pizza. É o receio que, em razão dos fatos, ocupa a consciência esclarecida da sociedade. O cidadão, contudo, não abre mão do direito de saber por onde escorre e a quem privilegia o dinheiro que o governo lhe toma para administrar o país. Manobras para criar perplexidades e embaralhar o jogo da verdade só servirão para aumentar a desmoralização do Congresso e desacreditar o regime democrático.

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