artigo - Alexandre Barros |
O Estado de S. Paulo |
8/2/2008 |
O tamanho do governo é um número abstrato para a maioria dos brasileiros, como o é o número dos pobres do Brasil ou quanto custa uma estrada entre Santa Rita do Passa Quatro e Santo Antonio do Monte. Como percepção política, estatísticas são secundárias, pois não fulanizam o problema. Vemos muitos números, gráficos e tabelas que dizem muitas coisas. Impressionam-nos, mas pouco nos sensibilizam - 500 mil homicídios no Brasil em dez anos ou US$ 140 bilhões em reservas podem amedrontar-nos ou nos encher de orgulho, mas pouco nos mobilizam. A morte do menino João Hélio, arrastado por sete quilômetros preso a um carro, mobilizou a Nação e os governantes. Fulanizada, a notícia é diferente. Cada um de nós se identifica com ela. O número de funcionários públicos é excessivo. Sai na imprensa uma vez por semana. Relacionar o tamanho do funcionalismo com o que pagamos em impostos? Cansa e não o fazemos porque temos interesses mais prioritários. Como o desconto é no contracheque, a cada picada a dor diminui. A indignação é rápida e em março, quando descobrimos quanto mais teremos de pagar, além do já descontado. Passa logo. Ex-ministra Matilde e ministro Orlando, os senhores notaram como a maior parte das pessoas não prestou maior atenção aos gastos com hotéis cinco-estrelas ou com passagens aéreas? Os senhores e seus colegas de Ministério notaram que o que mais indignou as pessoas foram os 400 e poucos caraminguás gastos no free shop e os R$ 8 e pico gastos na tapioquinha? Pois é, as pessoas sentem o tamanho do problema quando se identificam com ele. Quando uma autoridade gasta o dinheiro delas numa coisa tão simples, as pessoas pensam: gastar o meu dinheiro suado, durante quatro meses por ano, para uma comprinha dessas? Gastar o meu dinheiro nessa besteira? Esse pessoal não presta, mesmo! Não fiquem tristes nem ofendidos, ministros: é assim que as pessoas pensam. As pessoas estão furiosas com os senhores não pelos números enormes da corrupção, que de tão grandes são inimagináveis. É pelo tapa na cara de coisas que todos pensamos que os senhores podiam pagar do próprio bolso. Pelo menos isso! Quando se gasta o dinheiro dos outros em nosso benefício, queremos sempre a melhor qualidade e o preço não importa. A frase não é minha. É do professor Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia. Completo eu: e quando se pode tirar o dinheiro no caixa eletrônico praticamente sem limite e sem sentir, então, vira uma festa. Razão, aliás, por que empresas privadas não facultam esse privilégio aos seus funcionários. Os acionistas estão de olho e não querem seus lucros comidos e bebidos em restaurantes ou cuspidos indiscriminadamente por caixas eletrônicos. O bom é o cartão, que, efetivamente, dá mais transparência - é sempre bom lembrar que, nestes tempos de internet, tudo o que fica registrado eletronicamente em algum lugar, algum dia, alguém descobre. Agora sabemos. Para o Brasil, isso é uma grande novidade. Para os habitantes de Brasília que liam os anúncios de licitações, a novidade é pouca. Apenas se sabe o nome dos bois. Nos anúncios de licitação, que eu lia, diligentemente, sabia-se só que tal ou qual órgão ia comprar 400 quilos de camarões graúdos. Não se sabia quem iria comê-los. Os camarões sempre me chamavam a atenção: 400 quilos de carne da vaca eram muitos quilos de poucas vacas, mas 400 quilos de camarões eram de muitos camarões. Os gastos com os cartões não são o problema. O problema é que o governo cresce cada vez mais e mais funcionários passam a ter direito a gastar o nosso dinheiro em benefício deles, e nada podemos fazer. No tempo dos militares, houve o escândalo das mordomias. Era o mesmo escândalo, no atacado. Os mimos de que as autoridades se apropriavam eram provisões para festas e churrascos em suas casas funcionais (ou seja, nossas). Hoje é no varejo: o ministro compra tapioca porque confundiu os cartões. Será que algum dia ele fez a confusão contrária? Ou seja, pagou uma conta de hotel cinco-estrelas com o cartão dele, em vez do cartão do governo, porque os cartões eram parecidos? O leitor sabe a resposta. Meu caro leitor, se alguém lhe der um cartão sem limites a ser pago por alguém que você não conhece, da tapioquinha ao hotel cinco-estrelas o passo é curto. Se vice-versa, o passo é menor ainda. Durante o governo Sarney, um político nomeado para um cargo público, que tinha direito a uma residência funcional, foi visitar 35 casas “do governo”, para escolher. Todas dilapidadas e inservíveis. Quando os bens não são de ninguém, ou são da “viúva” - que é como a maior parte das pessoas que têm direitos ilimitados com o nosso dinheiro vêem tais recursos -, não importa o que aconteça. A conta não é deles. Uma vez perguntei a um então presidente da IBM porque a sala de refeições da presidência de uma empresa tão rica era tão espartana: “É porque quem almoça aqui, no fim, é que paga a conta”, respondeu. Quem chegava a comer naquela sala sabia que o preço do almoço vinha embutido no preço final do computador. Assim, obrigado, ex-ministra Matilde e ministro Orlando. Com esses gastos a senhora e o senhor fizeram muito mais pelo nosso bem do que nos seus mandatos no Ministérios. P. S. - Pena que, agora, algum burocrata zeloso tenha resolvido que não mais saberemos quanto e o que se come no Palácio da Alvorada. A desculpa da segurança é sempre ótima. Espremi a minha cabeça e mobilizei toda a minha paranóia para descobrir como a segurança nacional ou a pessoal do presidente seriam afetadas por sabermos o cardápio do Alvorada. Se souber, leitor, por favor, me diga. Eu não consegui descobrir.
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Entrevista:O Estado inteligente
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Obrigado, ministros, pela tapioca
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