Os precedentes indicavam que a independência de Kosovo, anunciada nesse domingo, seria o estopim para uma sangrenta repressão por parte da Sérvia ou para atos de vingança contra os enclaves sérvios no norte da província, por parte da maioria de origem albanesa. Afinal, Kosovo foi entregue à Sérvia em 1913 como uma província a ser explorada e assim continuou quando o marechal Tito reuniu os países balcânicos na Federação Iugoslava. Com a morte de Tito, em 1980, foi em Kosovo que começou a violência nacionalista, que fragmentaria a Iugoslávia. Ao fim dessa etapa do conflito balcânico, a Sérvia voltou a existir, submetendo Kosovo a condições ainda mais penosas que as da primeira década do século 20. O território perdeu a autonomia política, milhares de albaneses foram expulsos de seus empregos e substituídos por sérvios, o ensino da língua foi proibido nas escolas e o país passou a ser controlado pela polícia política sérvia. Em 1998-1999, o presidente sérvio Slobodan Milosevic, em resposta às ações do Exército de Libertação de Kosovo, desencadeou uma campanha de limpeza étnica que matou pelo menos 10 mil civis de origem albanesa e deixou ao desabrigo cerca de 1 milhão de pessoas, metade da população local. O morticínio só parou com a intervenção da OTAN, que desde então mantém cerca de 16 mil soldados em Kosovo.
Mas a independência de Kosovo não provocou nenhuma das reações esperadas. O primeiro-ministro Hashim Thaci deixou claro que o governo do novo país não tem a intenção de se vingar das atrocidades do passado, ao declarar que Kosovo será uma república democrática, secular e multiétnica, sujeita à supervisão de administradores internacionais, e que contará com a ajuda das forças da OTAN para guardar suas fronteiras e manter a paz entre os grupos étnicos. Referindo-se diretamente aos 5% de sérvios que habitam o país, afirmou que "nenhum cidadão será discriminado". Por sua vez, o primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, embora tenha afirmado em nome de seu governo que não aceita a secessão de Kosovo e nunca reconhecerá o "falso Estado", ressaltou que não usará a força para obrigar a província a permanecer na Sérvia. Usará, no entanto, a arma diplomática, reduzindo ao mínimo os laços diplomáticos com os países que reconhecerem o novo país.
A Sérvia tem como aliados principais a Rússia e a China, mas conta com o apoio de países onde são fortes os movimentos separatistas de minorias étnicas. É esse o grande argumento dos países que se opõem à independência de Kosovo: o temor de que uma secessão bem-sucedida inspire movimentos separatistas em todo o mundo.
Foi essa a justificativa encontrada pela Rússia, por exemplo, para convocar uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, no domingo. Segundo o Kremlin, a independência é uma clara violação da lei internacional e abre um precedente para o aumento da instabilidade em várias regiões do mundo. É claro que Moscou tem os olhos em seus próprios problemas, na Chechênia, e nos movimentos separatistas nas repúblicas da Geórgia e da Moldova. Mas tais argumentos não foram suficientes para provocar uma decisão do Conselho de Segurança. Dividido, o órgão da ONU encerrou a sessão sem atender ao pedido russo de declarar a independência de Kosovo nula e inválida, mas também sem reconhecer o novo estatuto da província, que é um protetorado da ONU desde 1999.
A União Européia também está dividida. Sem ter chegado a uma solução de consenso, liberou seus 27 países membros para reconhecer ou não a independência de Kosovo, de acordo com os interesses nacionais de cada país. Espanha, Grécia, Chipre, Eslováquia e Romênia já anunciaram que não reconhecerão o governo de Pristina para não encorajar movimentos separatistas dentro de suas próprias fronteiras.
Mas o importante é que os governos dos Estados Unidos, da França, da Grã-Bretanha, da Alemanha e da Itália reconheceram a independência do novo país. Isso significa que os países que controlam as decisões da OTAN decidiram não abandonar Kosovo à própria sorte. Mais do que reconhecimentos diplomáticos, o que garantirá a estabilidade da região será a permanência nos Bálcãs das tropas da aliança.