Uma história americana
Dirigida por Sean Penn, a adaptação deNa Natureza Selvagem é mais equilibrada – e mais comovente – que o livro de Jon Krakauer
Isabela Boscov
Hirsch, como McCandless, que morreu sozinho no Alasca: inflexível, mas também alegre e generoso |
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Em 1990, depois de se formar na faculdade com notas que facilmente o credenciariam a cursar direito na Universidade Harvard, o jovem Christopher McCandless doou todo o seu dinheiro – 24 000 dólares – a uma instituição de caridade, encheu uma mochila, entrou em seu carro velho e nunca mais foi visto pela família. Nos primeiros meses, enviou a eles um ou outro cartão-postal. Depois, nem isso. Os McCandless só vieram a saber novamente de seu filho em setembro de 1992, por meio de um relatório de autópsia: era de Christopher o corpo encontrado, já em avançado estado de decomposição, num ônibus velho que servia de abrigo a aventureiros no meio do Alasca. O que Christopher almejava com sua vida de andarilho e por que ele sucumbira durante a temporada como ermitão no Alasca foram as perguntas que o escritor Jon Krakauer começou a se fazer obsessivamente na ocasião. Krakauer, que também atravessara um período de isolamento radical na juventude, primeiro pesquisou a aventura e morte de Christopher para um artigo. Não foi o bastante para purgar sua inquietação. Ele refez então o percurso tortuoso do rapaz pelo país, entrevistou as pessoas com quem ele cruzara, e nas quais deixara impressões profundas, e ponderou os pequenos azares que culminaram em seu fim solitário. O saldo foi um livro quase hagiográfico na forma como identifica em Christopher um idealismo inflexível e uma coragem ilimitada na busca por seu modelo de pureza. Mais equilibrado, e mais comovente, é o filme homônimo, Na Natureza Selvagem (Into the Wild,Estados Unidos, 2007), que estréia nesta sexta-feira no país.
Dirigida por Sean Penn, esta adaptação destila o espírito que moveu Christopher McCandless: uma espécie de ideal americano de santidade, nascido do cruzamento do puritanismo com o fascínio pela vastidão do território. Um menino complicado e obstinado, filho de pais idem, Christopher desde pequeno revelara talento incomum para viver na natureza. Em algum ponto, passou a enxergar nela a resposta para sua rejeição às faltas dos pais e a seu suposto materialismo. Leitor fanático de Jack London e Henry Thoreau, grandes romantizadores da vida selvagem, meio que se convenceu de que retornar ao estado mais primitivo, sem dinheiro, sem bens e vivendo do que a natureza pudesse lhe oferecer, o faria exterminar seu falso "eu". Desprezou, porém, a lógica que fez a espécie prosperar: o acúmulo de técnica, de conhecimento e de estratégia. Se não tivesse rasgado seu mapa do Alasca, saberia que poderia ter cruzado um rio torrencial em outro ponto e assim retornado à civilização, como pretendia. Sem sabê-lo, teve de estender sua estada no ônibus abandonado até morrer de inanição e provável envenenamento por sementes nativas.
Nas mãos de Penn, e interpretado pelo magnético Emile Hirsch, o protagonista reencontra um âmago mais doce. Christopher, aqui, se parece menos com o profeta do livro e mais com o que provavelmente foi: um menino com muitas questões íntimas por resolver (há indícios de que ele jamais teve um relacionamento sexual, por exemplo), que teve a infelicidade de morrer por excesso de cura para seus males – mas que era capaz de imensa alegria, deslumbramento e generosidade. Essa é a imagem que Penn crava em seu desfecho. E é ela que faz Na Natureza Selvagem doer tanto.