Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Míriam Leitão - Reforço no saldo



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
19/2/2008

A semana começou bem para o Brasil. A Vale conseguiu um reajuste robusto para o produto que exporta. O presidente da companhia, Roger Agnelli, deu o tamanho da boa notícia: "Este acordo tem um impacto para a balança comercial hoje de cerca de US$10 bilhões adicionais." O acordo teve uma novidade: permitiu a diferenciação de preços de minério de ferro, o comprador aceitou pagar mais pelo produto de Carajás.

No panorama mundial, esse dado contraria o ambiente de pessimismo. Se a economia internacional vai mesmo desacelerar, como efeito da crise americana, como é que os compradores aceitam pagar 65% a mais pelo minério da Vale e 71% a mais pelo minério de Carajás?

José Carlos Martins, diretor de Ferrosos da Vale, diz que o sinal é claro, de que o mercado está muito forte:

- Tanto que o mercado spot na China está pagando 100% a mais.

O minério é um produto cujo preço é negociado entre grandes compradores e grandes fornecedores uma vez por ano. O que aconteceu neste fim de semana foi que um dos compradores aceitou pagar este preço e isso deve se estender para outros contratos. A Vale fornece neste mercado de longo prazo de contrato, e não para o mercado spot.

- A economia americana está em crise, e isso está influenciando a formação do humor do mercado; vai demorar um pouco para o mercado entender que muitas outras áreas da economia mundial continuam em ritmo forte - comentou José Carlos Martins.

Talvez uma das explicações seja para onde vai o minério de ferro; em quê ele é usado.

- Do aço produzido, 70% vão para construir infra-estrutura. É assim na China e até no Brasil. Aqui o que mais vende é vergalhão, chapa, para construções de infra-estrutura metálica. Hoje o mundo produz 60 milhões de automóveis, isso significa um gasto de 60 milhões de toneladas de aço. O mundo produz 1,2 bilhão de toneladas. O peso do aço para bens de consumo é mais ou menos de 20% a 25% - explicou Martins.

A China continua investindo na construção da sua infra-estrutura, que consome grandes quantidades de aço, e isso explica os preços subindo há vários anos.

A notícia de ontem é boa, mas se resume a uma coisa: as japonesas aceitaram o acordo de 65%, mas há ainda dúvidas no que diz respeito às siderúrgicas chinesas e mineradoras australianas. As primeiras, como grandes responsáveis pelo enorme aumento da demanda por minério nos últimos anos, pretendem pressionar para pagarem um reajuste menor. As segundas, como a BHP e a Rio Tinto, estão querendo jogar o reajuste para cima ao incluir o valor do frete pago pelo minério da Vale no preço do produto que elas fornecem. O frete da Vale para chegar ao Oriente custa o dobro do frete australiano; a vantagem brasileira está na qualidade do minério. Uma reportagem de ontem na Bloomberg afirmava que eles pretendiam chegar até a 150% de reajuste.

As mineradoras australianas argumentam que, como o comprador é que paga o frete, e o frete para comprar da Austrália é bem menor, elas querem, por isso, vender o produto mais caro, já que tudo ficará na mesma para o comprador.

Em cinco anos, o preço do minério quadruplicou; o aumento deste ano só é menor que o de 2005, quando o produto subiu 71%. Em meio à ameaça de recessão americana no mundo, surpreendeu que o acordo de preço fosse fechado já no início do ano. Isso porque, em tese, os preços não deveriam estar pressionados. No mercado, o que se dizia é que as siderúrgicas japonesas quiseram garantir o fornecimento e o preço com medo de que a pressão da enorme demanda das siderúrgicas chinesas acabasse dificultando as negociações.

A alta do minério de ferro não deverá ter impacto apenas nas exportações, aumentando o saldo da balança comercial; um outro ponto que sempre se levanta nestas épocas de alta de minério é o impacto disso na inflação, no IPCA, porque o minério empurraria o aço que empurraria o preço de vários outros produtos; carros, por exemplo. A Vale argumenta que são coisas dissociadas. Segundo a Anfavea, esse aumento do minério não preocupa. Enquanto o preço do minério aumentou 333% entre 2004 e 2008, o aço para a indústria automobilística cresceu 144% de 2002 a 2007 e o reajuste dos automóveis, no mesmo período, ficou em 62%. Segundo um cálculo feito pela Vale, usando como base um dado do IBS de que o valor do aço em um carro Gol é de 10%, o custo com minério chega a apenas 0,4% do total de um automóvel deste modelo.

Tomara que seja isso mesmo, e o Brasil tenha um aumento forte na sua balança comercial com o novo preço do minério da Vale, e que não signifique impacto inflacionário. É bem verdade que sempre há esse temor.

A Vale informa que o total das suas exportações, se os contratos forem todos reajustados com o novo valor, será de US$22 bilhões a US$23 bilhões, e, como é uma empresa que importa pouco, isso vai significar um aumento de US$10 bilhões no saldo do Brasil. A Vale passa a representar 24% do saldo. É que há outras empresas que exportam bastante, mas também importam, como no setor de petróleo ou aviação. Em saldo líquido, a Vale diz que é a maior.

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