Mauro Chaves
Em toda a celeuma levantada em torno da "guerra urbana" causada pelos motoboys, em que houve até tentativa (felizmente, frustrada) de se ofertar faixas privilegiadas para o transporte individual, em afronta à prioridade óbvia do transporte coletivo, falou-se de tudo - embora pouco do desastrado veto (de FHC) ao artigo 56 do Código de Trânsito Brasileiro, que proibia (como em qualquer país civilizado) as temerárias e mortíferas "costuras" das motos nas cidades -, mas nem se tocou no fator de maior incentivo à impunidade (quando não à criminalidade) no meio motociclista: o tipo de capacete que é uma máscara perfeita, verdadeiro salvo-conduto para os infratores, de todas as espécies, sobre duas rodas. A resolução do Contran que estabeleceu dispositivos de segurança para os capacetes dos motociclistas (faixas refletivas, selos de certificação do Inmetro, etc.) em nenhum momento cuidou da segurança pública, que depende da identificação dos que usam o espaço público. Em países civilizados se usa o open face helmet - capacetes que permitem "ver a cara" de seu portador, não se tornando um elmo mais escondedor e inexpugnável do que os medievais, maravilha para os bandidos.
Mas isso em nada destoa deste país das caras escondidas, cheio de máscaras públicas e privadas, de insulfilme, de segredo de Justiça, de votação secreta no Parlamento, de carros-fortes invioláveis, de não-identificação de mensagens estúpidas via internet, de facínoras menores penais (alguns prestes a completar 18 anos, em dias), praticantes de crimes horripilantes, mas escondidos pela divulgação apenas de suas iniciais, e tudo o mais que "protege" o cidadão dos efeitos de sua própria autoria ou de sua própria irresponsabilidade. O segredo de Justiça, por exemplo, criado especialmente para o Direito de Família, tendo em vista a proteção dos filhos menores, ante a repercussão pública negativa, para eles, de desavenças nas separações conjugais e nos demais conflitos familiares, tornou-se uma couraça protetora de servidores de todos os Poderes, processados na Justiça pela prática de falcatruas e crimes de toda espécie - cuja divulgação seria do máximo interesse público, para a proteção dos cidadãos comuns. Neste sentido, o segredo de Justiça tornou-se o maior fator de impunidade para os agentes da própria Justiça.
A votação secreta no Parlamento, criada para proteger os legisladores de pressões espúrias de poderosos, tornou-se um mecanismo eficiente para livrar os representantes do povo da cobrança de seus representados. Tem sido assim, à mais completa sorrelfa, que os ilustres detentores de mandato outorgado pelos cidadãos eleitores se eximem de lhes dar quaisquer satisfações, pela cumplicidade criminosa que praticaram, ao absolver e poupar da cassação os colegas que sabem ter cometido os atos mais abomináveis de corrupção ativa ou passiva, roubo de dinheiro público e demais comportamentos inteiramente incompatíveis com o decoro parlamentar.
Os donos das empresas de carros-fortes (como um deles já me disse) têm enfrentado um sério problema: os seus funcionários superarmados, que ficam "invisíveis" dentro dos carros inexpugnáveis, por se sentirem superpoderosos e não vistos, podem se tornar perigosos, verdadeiras "bombas", capazes de reagir com violência ao que remotamente lhes possa sugerir algum tipo de provocação, no trânsito. O anonimato propiciado pela internet tem dado mostras de "valentia" semelhante à dos bandos de motoboys que só tiram seus elmos quando fazem pressões, ameaças ou bloqueios de vias públicas, em grupo. Até no jornalismo há quem considere a não-identificação do próprio rosto, a nula aparição em público ou a fuga a qualquer foto num evento um apanágio do bom repórter - como se a maior qualidade jornalística se confundisse com o disfarce da espionagem, para a obtenção de notícias "não autorizadas".
Com tantas formas de se encobrirem os comportamentos e crimes, não é à toa que os grampos telefônicos e as câmeras secretas se tenham tornado o meio mais eficaz - se não o único - de capturar bandidos no espaço público, e que até se exagere em seu emprego, visto que "nunca antes, neste país", se vagou por tantos subterrâneos, se permaneceu em tantos porões - reais ou virtuais -, se trabalhou com tantas senhas secretas, códigos cifrados e sacanagens ocultas.
Fala-se muito em transparência - até há organizações não-governamentais (ONGs) que se alimentam do termo -, mas o que não se vê é cobrança para que se mostrem as caras. É preciso, antes de mais nada, que se recupere a coragem da identidade, no Brasil.
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net