Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 03, 2008

Miriam Leitão O centro da crise

O mercado financeiro mundial está bipolar. Ele comemora num dia o que no outro dia alimenta o pessimismo. O pacote de Bush, o corte dos juros americanos em 0,75 ponto percentual, o segundo corte, de 0,5 ponto; tudo é razão ora de altas, ora de baixas. Não está apenas com medo da recessão, mas sabendo que há muito mais confusão debaixo do tapete do que as instituições financeiras admitem.
As mudanças na forma como o mercado financeiro opera levaram a um espantoso descuido na concessão de crédito e espalharam o risco. Até os anos 80, os bancos concediam os empréstimos e os mantinham em carteira. A era da securitização, em que os bancos passam adiante o risco, transformando a dívida dos clientes em produtos, bônus, títulos negociados, foi saudada como o fim do risco e, na verdade, há agora mais chance de contágio.

Com a securitização, os bancos passaram a conceder os empréstimos, mas não os retinham em carteira.

Distribuíram as dívidas dos clientes em produtos cada vez mais complexos.

Os empréstimos passaram a ser divididos e agregados de forma a se transformarem em um produto financeiro específico, que passou a ser vendido no mercado. Isso impediu a visibilidade do seu risco real, até porque muitos desses produtos financeiros foram criados a partir de receitas preestabelecidas pelas agências de risco.

A era dos derivativos significou um momento de sofisticação e avanço no mercado. Mas o sistema que acabou produzindo a atual crise virou uma ciranda, na qual cada agente financeiro faz uma parte do trabalho e passa o risco adiante. Criou-se o incentivo para oferecer cada vez mais crédito. Para que tudo isso continuasse dando lucro, era necessário que os clientes continuassem se endividando. Bancos que concedem o crédito, avaliadores, brokers, bancos de investimento, agências de risco, fundos hedge, seguradoras, cada um ficava com sua comissão e passava o risco adiante.

Todos queriam mais e mais volume de negócios, já que o risco era supostamente zero. Os empréstimos passaram a ser dados sem entrada, sem amortização, sem comprovação de renda ou patrimônio: 60% dos empréstimos concedidos entre 2005 e 2007 têm essas características. Imigrantes ilegais passaram a ter crédito, mesmo sem qualquer documentação.

A mesma falta de cuidado ocorreu nos cartões de crédito, crédito para compra de carros, empréstimos a estudantes. Surgiram várias instituições financeiras, intermediárias nessas transações, que não são exatamente bancos e, portanto, não estão sob supervisão bancária.

Mesmo assim, esse mercado paralelo, sem fiscalização, acabou fazendo parte do trabalho de intermediação .

É por isso que, nos últimos dias, alguns bancos já admitiram que estão sendo intimados a prestar informações sobre as hipotecas de alto risco. Ninguém, nem mesmo as autoridades de supervisão bancária, sabe exatamente o tamanho do monstro que está submerso nessa complexa rede montada nos últimos anos pelas instituições financeiras para maximizar o lucro e, supostamente, neutralizar o risco .

Em 2001, o que estourou foi a bolha da internet. O que estoura agora é a bolha do crédito, com conseqüências ainda desconhecidas.

Nas próximas semanas e meses, as notícias vão se suceder, ora aumentando o temor de uma crise sistêmica, ora com a sensação de que tudo vai ser resolvido com a ajuda das autoridades monetárias.

O economista Nouriel Roubini — o primeiro a prever a crise e, como todo pioneiro, acusado de ser excessivamente pessimista — usa uma expressão curiosa para definir o comportamento do consumidor neste período. Diz que eles passaram a usar os imóveis como ATM machine, ou seja, como caixa automático, no qual sacavam dinheiro para cobrir outros gastos. Com a alta dos preços dos imóveis, o proprietário era convidado pelo banco para aumentar a própria dívida. Isso porque seu ativo, o imóvel, valia mais. O cliente era convencido de que estava mais rico, e, na verdade, ele estava ficando apenas mais endividado. Sentindose mais rico, consumiu cada vez mais e puxou o crescimento da economia.

Agora, seu ativo se desvalorizou e sua dívida ficou mais cara.

Os preços dos imóveis subiram 100% de 1997 a 2007, e essa elevação dos preços foi usada para alavancar o consumo em todas as áreas. Nos últimos dias, saíram várias notícias negativas.

As vendas de imóveis caíram 26% num ano, as ações de despejo aumentaram 75% em 2007, a confiança do consumidor despencou, e o PIB americano mergulhou no último trimestre do ano passado.

Segundo cálculos de Roubini, os preços reais dos imóveis vão cair outros 20% a 30%, e essa queda adicional destruirá US$ 4 trilhões de valor dos imóveis e da riqueza, levando a que 10 milhões de americanos tenham uma dívida imobiliária maior que o valor da casa; um enorme incentivo ao não-pagamento.

A revista “Economist” disse que a tempestade financeira virou um furacão.

“Não há dúvida de que este é um momento atemorizador.” O que mais assusta, segundo a revista, é que o banco central americano mostrou também estar em pânico quando cortou os juros extraordinariamente faltando poucos dias para a reunião na qual, novamente, cortou a taxa. “O Fed tem que ser sempre o centro calmo da tempestade financeira . ”

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