Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Luiz Garcia - Em princípio...




O Globo
8/2/2008

Ninguém, em quartéis governistas ou castelos da oposição, nega que a melhor contribuição para a reforma administrativa nos anos recentes foi a criação, proposta pelo jurista Buarque de Holanda, do Ministério do Vai Dar Merda.

Ele permite a autoridades dos mais altos escalões - jamais atingidas pelos efeitos de seus atos - estarem sempre na confortável situação de não serem surpreendidas por eles. Ou aptas a dar a impressão de que não foram.

Na esteira ideológica e filosófica do MVDM, teóricos de Brasília propõem agora a estruturação da Secretaria Especial do Em Princípio Era Boa Idéia. A sigla é horrível, o órgão jamais resolverá problema algum, mas serve para rotular um número considerável de iniciativas oficiais.

Por exemplo, em princípio era boa idéia a criação dos cartões corporativos, a serem usados como cartões de crédito para gastos oficiais. O decreto que os instituiu, em 2001, destinou-os a "compra de material e contratação de serviços variados de serviços enquadrados como suprimento de fundos, mesmo que não seja de entrega imediata, tais como pequenas compras de itens ou serviços não previstos ou não disponíveis".

Parece bem amarradinho, não? Um mecanismo ágil e de fácil fiscalização para o financiamento do dia-a-dia de governo e governantes, concordam? Pois coisa nenhuma: a novidade mostrou foi agilidade além da conta, o que exigiria fiscalização severa e pronta - que nunca existiu.

Quando, outro dia, o escândalo estourou, uma ministra caiu: Matilde Ribeiro, titular da pasta da "Igualdade Racial", que usara o cartão até para comprar mimos pessoais em free shops de aeroportos.

O caso de d. Matilde, vale a pena pensar nisso, não deveria ser avaliado pela extensão do prejuízo - e sim pela facilidade com que se escolhe para alto cargo no governo alguém sem qualquer idéia sobre o respeito devido ao dinheiro público. Ou a pasta da moça não era alto cargo?

Ela foi a única do primeiro escalão a ser mandada embora. Igualmente culpados, os ministros da Pesca e do Esporte só ouviram um pito e ressarciram o Tesouro pelos gastos indevidos. Quem quiser que explique a diferença de critérios. Vai-se ver, pesca e esportes andam mais prestigiados em Brasília do que a igualdade racial - mas isso é apenas uma sórdida insinuação.

Enfim, e voltando à gestão de dinheiros públicos por pessoas idem: na aparência e na definição, o pagamento de despesas com cartões de crédito financiados pelo Tesouro (os tais "corporativos") tem as preciosas virtudes da agilidade e da fácil identificação do responsável pela despesa. Por que tantos casos de despesas suspeitas e de abusos comprovados?

Por que deu merda?

Porque, na chamada vida pública, isso tem alto risco de acontecer com todos os comportamentos e ações definidos como boas idéias com a ressalva obrigatória do "em princípio".

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