A crise financeira internacional que assola o mundo teve origem em empréstimos “sub”. Na política, chamar alguém de “sub” virou um palavrão. O presidente Lula chamou depreciativamente de “sub do sub do sub” o então representante do comércio americano Robert Zoellick. Em economia, o “sub” já tinha virado politicamente incorreto. Não existe país subdesenvolvido, mas “em desenvolvimento”.
Agora, o “sub” também virou sinônimo de crise financeira internacional.
Sob o codinome de subprime — a categoria mais baixa dos empréstimos imobiliários americanos — vastos empréstimos foram dados de forma inconseqüente e agora, que não pagos, estão gerando e espalhando perdas no mercado financeiro internacional.
O “sub” já fez parte da história das crises internacionais. A crise da dívida de 1982 resultou do excesso de empréstimos dos bancos aos países em desenvolvimento (os “sub”?) dos dólares que recebiam dos países petrolíferos.
A crise da Ásia, em 1997, foi parecida, mas com outros atores.
Agora, o excesso de dólares acumulados pelos países de economias emergentes (principalmente economias asiáticas e, novamente, os países exportadores de petróleo) foi emprestado, através de novos e complexos instrumentos financeiros, para um “país subdesenvolvido dentro dos EUA”, aquele cujos habitantes são a parcela mais pobre da população, sem renda ou ativos suficientes para pagar as hipotecas.
O Fed, banco central americano, tem reagido ao risco crescente de uma recessão nos EUA. Não que imagine ser possível evitar uma desaceleração por completo. O combate parece concentrar-se em evitar os piores cenários. A queda acentuada de juros no mês passado (menos 1,25%, recorde de queda em muitos anos) parece refletir o receio de uma recessão aguda, possivelmente uma combinação de queda de atividade com crise financeira. O próprio presidente do Fed, Ben Bernanke, como acadêmico, foi um estudioso da crise de 1929 e dos erros cometidos à época.
Além da queda dos juros, várias medidas foram adotadas nos últimos tempos, como o pacote fiscal de US$ 150 bilhões e as medidas de ajuda à liquidez do sistema financeiro.
Como sempre, não há consenso entre os economistas sobre a propriedade dessas medidas. Uma crítica é que, nos últimos anos, vários exageros foram cometidos nos EUA, houve um consumo além do sustentável, assim como um excesso na concessão de empréstimos. Em algum momento, eram necessários ajustes, tanto no mercado financeiro, quanto no consumo, que é exatamente o rumo que a economia está tomando no momento. Medidas que interrompem esse processo estariam na contramão do necessário, apenas adiando o inevitável e tornando o final mais custoso. E há o exemplo para o futuro: se houve exageros, é saudável deixar a economia punir os responsáveis.
O problema é que, por um lado, as medidas adotadas não devem impedir o ajuste necessário na economia americana para um consumo menor no futuro e um sistema financeiro mais comedido, nem, por outro lado, a ausência dessas medidas levar a uma crise financeira e a uma recessão profunda.
Como fica o resto do mundo e o Brasil nesse cenário? Parece que estamos num fim de ciclo, onde os ventos passados — o crescimento acelerado, risco em queda, empréstimos em alta — ainda geram conseqüências no presente, como preocupações com falta de energia (literalmente, do Brasil à China) e inflação (no Brasil e na Europa). Crescentemente, à medida que as defasagens na economia se fizerem valer, o excesso vai dar lugar à falta, e a economia mundial vai desacelerar, trazendo outras preocupações. Como continuar crescendo sem o embalo mundial e sem comprometer o equilíbrio macroeconômico? Como ficam as contas públicas? Qual é a conseqüência de uma desaceleração para as receitas e as contas públicas no Brasil? O governo vai cortar gastos se for necessário (ainda mais que hoje)? E as contas externas num mundo menos favorável? Independentemente das respostas, não parece prudente se deixar levar por outro “sub”: a subestimação da crise financeira e o impacto na economia mundial.
Entrevista:O Estado inteligente
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