Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 02, 2008

Energia - do passado ao futuro

Josef Barat

Ao se falar em "apagão" - logístico, aéreo ou elétrico -, deve-se identificar com serenidade os gargalos estruturais que o geraram. As causas são sempre múltiplas, cumulativas e de responsabilidade do Estado. De início estão presentes fatores de natureza institucional: ausência de planejamento, políticas públicas inconsistentes, bem como deficiências ou mudanças nas regras da regulação. Em seguida, questões relacionadas com o arcabouço legal, em geral desatualizado, prolixo e incapaz de oferecer segurança jurídica, especialmente à participação privada na prestação de serviço de interesse público. Decorre daí o terceiro gargalo, o financeiro, uma vez que, além da instabilidade institucional e jurídica, diante da notória escassez de recursos públicos para investir, não existe financiamento de longo prazo (exceto do BNDES), o que dificulta a implementação de concessões e parcerias. O quarto, mais visível, é de natureza física e exige investimentos pesados para superar tanto a degradação contínua das infra-estruturas quanto as descontinuidades nas ampliações de capacidade. Por fim, o gargalo operacional é o que mais atinge o consumidor, revelando, além do descaso pelo contribuinte, as dificuldades em coordenar decisões, integrar sistemas e, sobretudo, lidar com pragmatismo e antecipação de ações, opondo-se à tradição burocrática.

O panorama energético do Brasil apresentou, nos últimos 40 anos, muitos aspectos favoráveis, mas também deficiências que suscitam preocupações quanto ao futuro. Começando pelo lado positivo, em 2006, 92% dos 226 milhões de toneladas de equivalente de petróleo (TEP), da oferta interna de energia (consumo final mais perdas), foram produzidos no País. Por outro lado, 45% da oferta teve origem em fontes renováveis,ante 13% da média mundial. Da energia renovável, 15% provieram da geração hidráulica e 30% de outras fontes renováveis. Os 55% restantes vieram basicamente dos derivados do petróleo (45%). Pode-se creditar este perfil ao desenvolvimento tecnológico na construção e operação de grandes usinas hidrelétricas, bem como na operação de sistemas de transmissão a grandes distâncias em corrente contínua. Já as políticas de combustíveis alternativos adotadas nas crises do petróleo dos anos 70 propiciaram o aumento da produção de álcool (hidratado e anidro), que atingiu 17,8 milhões de m³ em 2006.

A produção nacional de petróleo, por sua vez, teve um grande desenvolvimento, graças a vultosos investimentos na prospecção e exploração, que permitiram à Petrobrás aplicar tecnologias pioneiras de extração em águas profundas. Houve um considerável aumento do volume medido das reservas, de 283 milhões de m³ em 1979 para 2,9 bilhões de m³ em 2006. Nesse período, a produção de petróleo passou de 170 mil barris/dia para mais de 1,7 milhão barris/dia, incluindo líquido de gás natural. Em conseqüência, ocorreu a redução drástica do grau de dependência externa e uma mudança na estrutura da matriz energética: reduziu-se a participação da lenha e aumentaram a do gás natural e a dos combustíveis derivados da biomassa.

Apesar dos avanços notáveis, faltaram por duas décadas planejamento integrado do setor energético e visão estratégica de longo prazo, de forma a equacionar a continuidade dos investimentos nas infra-estruturas. Não houve, por muito tempo, a coordenação dos diversos segmentos energéticos, com conflitos constantes entre as prioridades dadas ao petróleo, gás, biomassa e energia elétrica. Quanto a esta última, apesar do crescimento, a capacidade instalada (hoje de 73 GW) é insuficiente perante o crescimento da demanda com elasticidade de longo prazo de 1,6 em relação ao PIB. Não houve ainda planejamento e integração efetivos entre os setores de energia e transporte, pois a movimentação de cargas continua a depender basicamente do diesel. E na indústria a substituição do óleo combustível pelo gás natural sofreu contínuos sobressaltos e, nos últimos anos, as condições pluviométricas representaram permanente ameaça ao desempenho das usinas hidrelétricas, demonstrando claras deficiências de gestão. Sabe-se que não cabe a uma agência reguladora formular políticas e planejar o setor. Mas, sem dúvida, a ela cabe regular o mercado pelo equilíbrio entre oferta e demanda, assim como zelar pelos interesses do consumidor. Neste sentido, foi oportuna no âmbito das suas atribuições a manifestação da Aneel quanto à necessidade de um Plano B para o setor elétrico.

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