Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Dora Kramer - O defeito da qualidade


Os astros da música e do cinema ganham fama, dinheiro e, de vez em quando, se valem dessa popularidade para entrar na política. E os políticos, quando atingem aquele estágio da fama que os transforma em personagens de uma constelação superior, fazem o quê?

Se ditadores, perseguem a eternidade no comando. Se frutos de regimes democráticos, natural que busquem pelo voto a continuidade de seus projetos poder.

Para isso, entretanto, é imprescindível que tenham herdeiros à sucessão, mais não seja para ocupar um interregno até que a lei - como no caso da brasileira - permita sua volta como sucessor do sucessor.

As pesquisas de opinião, em particular esta última do Instituto Sensus, mostram que o presidente Luiz Inácio da Silva é a figura de longe preponderante na política brasileira. Não tem concorrência e, em termos de popularidade, ofusca todas as outras.

O índice de 66% de aprovação ao seu desempenho pessoal cinco anos de governo, constantes escândalos e muitos exemplos de ineficácia administrativa depois, mostra que Lula não é mais avaliado como governante, é simplesmente a figura mais presente na mente dos brasileiros.

Seu plano de ocupação de todos os espaços quase o tempo inteiro - descontados aqueles momentos em que se vale da omissão para fugir ao risco de se conectar a problemas - deu certo.

A maioria simplesmente não liga o nome à pessoa quando o governo se mostra inepto para resolver questões objetivas, sejam elas uma crise aérea de meses a fio, o aumento do desmatamento da Amazônia, o descontrole nos gastos públicos, a tolerância com a má conduta de assessores e aliados, a desorganização da condução dos assuntos legislativos de interesse oficial, a inaptidão para propor e arbitrar reformas, a indiferença pelo rebaixamento dos padrões éticos da República, a rendição ao fisiologismo em sua versão deslavada, a ausência de empenho na promoção de avanços institucionais ou o elogio permanente à incoerência e a constante quebra da palavra empenhada.

Lula, as pesquisas comprovam, não está mais em julgamento. Queda-se, ao início do sexto ano de governo, com a vida ganha. Resta saber o que fará dela em termos de projeto político a partir de 2010.

Se, de um lado, tão estupendo sucesso é ótimo para o cidadão Luiz Inácio da Silva, de outro não é nada bom para quem até hoje dependeu e ainda depende desse magnetismo personalista para sobreviver na política.

A pesquisa Sensus é clara: nenhum dos possíveis postulantes do PT à Presidência da República chega aos 5% das intenções de votos. Ademais, na pesquisa espontânea, sem apresentação prévia de lista de candidatos, Lula é citado como o preferido, com pontuação de 18%.

Isso quer dizer que pode se aventurar à tentativa de um terceiro mandato que terá, para isso, apoio popular? Não necessariamente. Por enquanto quer dizer que é a pessoa mais famosa, mais polêmica e, por que não dizer, numericamente falando, mais querida do Brasil.

Mas também pode vir a significar que, diante da constatação de que só em Lula há salvação para o PT, em termos da manutenção da tão custosa chegada ao poder, ressuscitem-se os planos heterodoxos aparentemente arquivados depois de um malsucedido teste posto em prática no ano passado.

Admitamos, porém, que prevaleça o bom senso e as regras sejam mantidas. No campo governista, Ciro Gomes está bem posicionado e ainda podem surgir peças novas no jogo. Um Sérgio Cabral, por exemplo, vindo do PMDB.

Os “estrangeiros” não satisfarão o PT, a menos que se imponha a evidência de que melhor um acordo de parceria partidária no terreno aliado que a entrega do poder ao adversário.

A repetição de um episódio de eleição de um “poste”, como em São Paulo à época de Celso Pitta, é altamente improvável, até por conta do exemplo e suas conseqüências.

Lula é bom no jogo, mas é único. A maioria se identifica com ele, mas não quer dizer que faça tudo o que ele pedir que seja feito. Brilha, mas na sombra à sua volta nenhuma semente floresceu porque não deixou florescer. É o defeito de uma inequívoca qualidade.

Fidel

É um alívio para o mundo democrático a retirada do poder do último ditador do Ocidente. Mas, por ora, trata-se da formalização de uma realidade posta desde 2006, quando Fidel Castro passou a Presidência ao irmão Raúl.

Retrocesso, evidentemente, não haverá. Avanços na economia, já em curso, também são inevitáveis. Impõe-se agora a expectativa a respeito do principal: a abertura democrática.

A boa notícia é que, dado o caráter personalista do regime, dificilmente a ditadura sobreviverá ao ditador. Resta saber se perdurará enquanto sua presença física ainda inibir a restauração das liberdades.

O processo não estará completo se Cuba florescer na economia, mas permanecer, enquanto Fidel Castro viver, como um vergonhoso enclave da tirania na América Latina.

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