Sem se valer da 'política da vitimização'
“Quando começamos, éramos oito candidatos. Agora somos apenas dois. Acho que um de nós será o próximo presidente dos EUA.” Barack Obama formulou essa profecia quase abraçado a Hillary Clinton, na despedida do amigável debate entre os candidatos democratas remanescentes em Los Angeles. Palavras convencionais ou convicção verdadeira? John McCain, contra todas as expectativas, caminha para restaurar a unidade de seu partido. De 1968 para cá, os republicanos venceram sete das 10 eleições presidenciais.
Os triunfos democratas representam exceções. Jimmy Carter, em 1976, bebeu nas fontes do escândalo de Watergate. Bill Clinton, em 1992, ergueu-se tanto sobre o seu próprio gênio político quanto sobre o trampolim da recessão que fulminou as chances de reeleição do primeiro Bush.
Para que “um de nós” conquiste a Casa Branca, o Partido Democrata precisa encerrar um ciclo histórico de hegemonia republicana.
O senador Ted Kennedy quase nunca menciona seu irmão John e sempre recusou emprestar seu nome a postulantes nas prévias democratas.
A decisão de apoiar Obama representou uma ruptura com os dois dogmas, derivada de uma interpretação da história política dos EUA. Numa passagem pungente de seu discurso na Universidade Americana, em Washington, Kennedy remeteu os Clinton para o passado: “Houve um outro tempo quando outro jovem candidato postulava a Presidência e desafiava a nação a cruzar a Nova Fronteira. Mas um outro antigo presidente democrata, Harry Truman, pediu-lhe paciência. Disse que lhe faltava experiência.
John Kennedy replicou: ‘O mundo está mudando. Os velhos hábitos não funcionam mais.’” No seu tempo, John Kennedy reinventou a Grande Coalizão de Franklin Roosevelt e restaurou uma hegemonia democrata em vias de dissolução. Os sindicatos do Manufacturing Belt começavam a perder influência, enquanto se dissolviam as máquinas assistencialistas do New Deal. No Deep South, a urbanização gerava uma nova classe média, que pendia para os republicanos. Kennedy lançou seu apelo da Nova Fronteira na direção dos jovens, filhos do baby boom, e dos negros, que exigiam o fim da regra do “iguais, mas separados”.
O longo ciclo republicano inaugurado pela vitória de Richard Nixon, em 1968, refletiu a emergência de uma maioria hostil ao Estado protetor edificado por Roosevelt.
O Oeste das novas empresas, que quase desconhece o sindicalismo, é um dos pilares dessa maioria. O outro pilar é o Sul emergente, mas conservador, que abandonou os democratas na hora do Movimento pelos Direitos Civis dos turbulentos anos 60. Ronald Reagan inscreveu em pedra a fórmula republicana, apresentando um programa ousado de cortes de impostos para a classe média alta e os ricos. George W. Bush acrescentou-lhe os tons fortes do fundamentalismo da direita cristã e do cruzadismo internacionalista dos neoconservadores. Bill Clinton, o único a interromper a sucessão triunfante de presidentes republicanos, jogou pelo ralo a água usada das máquinas políticas do New Deal. John Edwards, que já desistiu de sua postulação, foi o último eco da coalizão democrata parida pela Grande Depressão.
Hillary é o passado e Barack, o futuro? Os dois compartilham a ruptura de paradigma promovida por Bill Clinton e quase não se podem distinguir diferenças entre suas posições nos grandes temas política externa e interna.
A disputa democrata deslocouse para a esfera simbólica.
Mas o tabuleiro do jogo dos símbolos não cabe na moldura estreita que contrapõe a “primeira mulher”ao “primeiro negro” a conquistar a Casa Branca.
Obama, explicitamente, rejeitou a “política da vitimização”.
Na campanha, não exibe a cor da sua pele como credencial ou metáfora.
Como indivíduo, ele se dirige a todos os americanos e promete um futuro pós-racial para a nação.
Ninguém, desde Martin Luther King, havia trilhado esse caminho. Toni Morrison, a Nobel de Literatura de 1993, definiu Bill Clinton como o “primeiro presidente negro” dos EUA. Obama não almeja esse título. É por isso que, mesmo se perder a Superterça, ele permanecerá na liderança da disputa simbólica.
Entrevista:O Estado inteligente
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