A política brasileira me causa arrepios periódicos. Sempre que estamos na soleira de novos tempos, rolam-me tremores na espinha. Não quero bancar o sensitivo, mas esta era Lula está me arrepiando também, porque parece se estiolar numa mesmice de procedimentos políticos que parecem véspera de alguma explosão. A roda viciada desse governo é sempre a mesma: anúncio de medidas não tomadas, radicalizações e indignações "verbais" do Executivo, seguidas de pressões dos aliados e corruptos, que conseguem vantagens, voltas atrás e acochambramentos, tudo amenizado por sorrisos carismáticos com covinha e piadinha de Lula. E, pronto, nada muda. Graças à boa situação da economia mundial ainda, graças à macroeconomia da herança bendita, talvez até o jogo "vaselínico" de Lula seja melhor que se ele se deixasse levar por arroubos. Pelos menos o status quo fica intocado, enquanto o Banco Central segura as pontas. Mas, até quando esse chove-não-molha vai agüentar? Nada de real acontece neste país. Tudo se dissolve no ar. O mensalão se dissolveu, o Dirceu enriqueceu, botou cabelo, o Valério também cresceu cabelo, o Delúbio sorri, o Renan reina, os cartões corporativos viraram uma competição micha de cuspe-em-distância entre oposição e governo, enquanto os bilhões são postos em risco como nas indicações a Furnas, nos Fundos de Pensão, enquanto a Amazônia arde e depois os desmatadores são afagados e premiados, enquanto Marina Silva, mulher de bem, é abandonada. E nada se faz, nada termina. Estamos precisando mais do que de "ação". Estamos precisando de fatos. Este governo está desmoralizando os fatos. Os acontecimentos não acontecem, se diluem, morrem. Lemos os jornais atolados de denúncias, de descobertas encobertas, de investigações que duram o espaço de uma manhã, como as rosas. Quando veremos um projeto aprovado, uma reforma, um ato de gestão importante? Quando veremos discussões no Congresso acima de negociações e puxa-saquismo para conseguir favores do Executivo? Quando? Esse Congresso que, no dizer do Garibaldi Alves com seu charme de raposa velha, foi transformado no quarto de despejo do Planalto. Ele disse que há uma espécie de "absolutismo presidencialista". É verdade, sim, mas "absolutismo relativo e malandro", pois a ideologia do Governo é o radicalismo do "tanto faz"... Lula usa a brutal resistência do "Atraso" como caldo de cultura para manter seu prestígio alto. Não fez um gesto de modernização; mas sabe muito bem manipular a sordidez que antes, de boca, condenava. E aí, navega no lodo, limpinho. Estamos assistindo a uma nítida deterioração das instituições, quando ninguém teme mais nada, pois todos, do Renan ao reitor, todos descobriram que delitos e corrupção "não têm bronca", não têm "pobrema", não têm "mosquito"; tudo acaba bem e esquecido. O que antes se fazia com vergonha e até com mais parcimônia, agora é feito às claras, com uma tácita aprovação do Executivo. Trata-se da institucionalização da amoralidade útil, da desmoralização dos escândalos. Vivemos na República do "é assim mesmo". Os jornais estão cheios de crimes esquecidos, de eventos inconclusos, e o desencanto nos invade, perdendo o gás até para nos horrorizar. E tudo isso é muito sutil, tudo adoçado pelo charme de "Maquiavel Macunaíma" do presidente; tudo fica invisível quase, tudo fica desmentido pela inesperada diminuição do desemprego, pelo aumento da produção industrial e pela estabilidade monetária. Que ótimo! A economia vai bem... Como explicar, se ninguém faz nada, a não ser o Banco Central e, obviamente, competências técnicas isoladas na máquina? Como bem disse o Oswaldo Aranha, há 60 anos, "O Brasil progride enquanto dorme". Na minha pobre vida, já tive vários arrepios de pavor na véspera de desastres políticos. Meu primeiro arrepio foi em 54, menino, ao lado do rádio, quando ouço o Repórter Esso: "O presidente Vargas acaba de se suicidar com um tiro no peito!" Depois, estou no estribo de um bonde, em 61. "Jânio Quadros renunciou!", grita um sujeito de chapéu e sem dentes. Gelou-me a alma. Eu já tivera uns arrepios quando ele proibira biquínis nas praias e inventara terninhos safári para funcionários públicos. Tínhamos eleito um louco! Em 64, eu estava no comício da Central do Brasil. Clima de vitória do socialismo, sob as tochas dos bravos operários da Petrobrás. Jango discursando. Volto para casa e, do ônibus, vejo uma vela acesa em cada janela da classe média, em sinal de luto pelo comício da Esquerda. Outro arrepio. "Não vai dar certo" - foi a certeza brutal que me baixou. Na capa da revista O Cruzeiro, um baixinho feio, vestido de verde-oliva, me olha. Quem é? É o novo presidente, Castelo Branco. Arrepio na alma: minha vida adulta seria corroída por aquele dia. Foram 21 anos. Tancredo no hospital e o sorriso deslumbrado dos médicos de Brasília, amparando o presidente como um boneco de ventríloquo para a opinião pública. "Vai morrer!" - arrepiei-me. O jaquetão do Sarney, deslumbrado e contristado, me arrepiou. A foto sorridente de Collor, na capa da Veja, com o título "Caçador de Marajás" me deu pavor. Em 94, com a vitória do Brasil na Copa e um intelectual da nova esquerda subindo ao poder, tive esperança. Mas, quando vi que a Academia em peso o sabotaria por inveja e rancor, sem dar-lhe apoio nenhum em sua tentativa de reformar o Estado patrimonialista, vi que a barra era mais pesada, que o atraso estava dentro de belas cabeças. E agora, que arrepio é este que sinto? Acho que algo muito ruim está cozinhando em banho-maria nosso avanço político. Há alguma coisa "não acontecendo" no Brasil que me dá arrepios. |