o globo
O presidente Lula colocou os chamados "movimentos sociais" definitivamente para dentro do seu governo com o convite ao presidente da CUT, Luiz Marinho, para ser seu terceiro ministro do Trabalho em dois anos e meio. As centrais sindicais, que haviam vetado o nome de Aldo Rebelo para o Ministério do Trabalho porque o PCdoB tem na Câmara um projeto alternativo à reforma sindical, ganharam assim uma pendência antiga e passarão a ter no Ministério um apoio a favor da reforma sindical e contra a reforma trabalhista, que aliás já havia sido adiada para um hoje cada vez mais improvável segundo mandato de Lula.
O MST, por sua vez, já estava representado de maneira indireta no Ministério do Desenvolvimento Agrário, com seu simpatizante Miguel Rossetto, membro da Democracia Socialista do PT, facção trotskista. Luiz Marinho, da CUT, e João Pedro Stédile, do MST, comandaram nos últimos dias diversas manifestações populares contra um suposto golpe da direita para desestabilizar o governo Lula, como no encontro da UNE em Goiânia. E aproveitaram para voltar a exigir a mudança da política econômica.
Ao mesmo tempo em que acolhe a CUT no seu Ministério, formalizando a central como o braço sindical do PT, Lula acena ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com a ampliação de sua influência no governo, com a provável indicação de um técnico para o Ministério da Previdência. A reforma ministerial que está sendo anunciada a conta gotas pelo Palácio do Planalto aprofunda assim a divisão do governo: reduzindo a força do PT com a ampliação da presença do PMDB, Lula pretende alargar sua base parlamentar, na tentativa de resolver a crise politicamente, dentro do Congresso.
Reforçando o ministro Palocci, garante o apoio do empresariado e dos grandes investidores internacionais. E ampliando a influência dos chamados "movimentos sociais", Lula guarda-se para a necessidade de uma eventual ação populista mais à frente, se a situação política ficar mais difícil do que já está. O governo, enquanto isso, continuará irremediavelmente cindido, com grupos de pressão disputando em seu interior soluções diametralmente opostas.
A novidade da CUT, depois que a entidade atendeu ao chamamento do ex-ministro José Dirceu para denunciar pelo país um suposto movimento direitista contra o governo popular de Lula, é mais um dos muitos sinais trocados que o presidente dá nessa reforma ministerial que deveria ter sido realizada meses atrás e que foi atropelada pelos fatos políticos, mais fortes do que qualquer tentativa de manipulação.
Lula continuará tendo em seu Ministério lado a lado representantes da Fiesp (Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento); dos agricultores (Roberto Rodrigues), e mais a CUT e o MST. Aparentemente, um governo democrático e plural. Na prática, um saco de gatos, um governo sem rumo.
O general Golbery do Couto e Silva, que foi o arquiteto do processo de distensão política no governo Geisel, usava com freqüência a metáfora da caixa de lenços para definir crises políticas como a que estamos assistindo: puxa-se um lencinho, aparece sempre outro atrás. É o que acontece hoje com os fatos políticos: ora aparece uma secretária, depois um motorista, logo surgirá um motoboy para confirmar na CPI dos Correios que, sim, carregava malotes de dinheiro do lobista Marcos Valério.
A reforma ministerial em sua primeira fase visava apenas a reforçar com o PMDB a base política para inviabilizar um eventual pedido de impeachment no Congresso. Ao mesmo tempo, PT e aliados adotavam a pior das estratégias, ou seja, tentar defender o indefensável, na definição cortante do senador Pedro Simon. Como se usar o rolo compressor fosse uma tática viável quando os lencinhos de papel vão se sucedendo na caixa de surpresas que é uma CPI que, como ensina a sabedoria popular, sabe-se como começa, mas não se sabe como termina.
Como, por natureza, o PT só sabe bater, não sabe apanhar, de nada adiantou o aceno de conciliação do PSDB, que quanto mais se ofereceu para uma negociação política que hoje já não tem muita aderência entre seus políticos, mais foi atacado pelos petistas que se dedicaram a tentar achar ligações de Marcos Valério com o governador de Minas, Aécio Neves, e com o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo. Mas o que apareceu mesmo foi um segundo empréstimo avalizado por Valério para o PT.
Se não há problema algum nessa relação promíscua entre um empresário que tem contratos comerciais com o governo e seu partido político, por que o presidente José Genoino não se adiantou e, ao ser anunciado o primeiro empréstimo no banco BMG, não disse também que havia outro, no Banco Rural, mais alto ainda?
E por que o lobista Marcos Valério não se referiu a ele quando depôs na CPI dos Correios? E, aceitando-se a absurda explicação de Genoino de que não lera o que assinou no primeiro empréstimo, em 17 de fevereiro de 2003, nem procurou saber quem era aquele mecenas que Delúbio Soares havia descolado do nada, como explicar o segundo aval, três meses depois?
O mais impressionante é que os membros da Articulação, que formam o chamado Campo Majoritário do PT, preparam-se para hoje, na reunião do diretório nacional do partido, defender a permanência de José Genoino na presidência, em vez de apontar novos caminhos para o partido. A crise por que o PT está passando é claramente criada por sua cúpula, que, na pressuposição de que o jogo político "burguês" é esse mesmo, radicalizou e modernizou métodos políticos incompatíveis com a ética para garantir a permanência no poder e o controle da máquina pública.
Entrevista:O Estado inteligente
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