o globo
A reforma ministerial com que o presidente Lula pretende superar a crise política que engolfa seu governo, se baseada apenas na maior participação do PMDB, demonstraria a impossibilidade de o Planalto atrair o apoio de nomes expressivos da sociedade civil. As sucessivas notícias de recusas de personalidades como os empresários Antonio Ermírio de Moraes e Abílio Diniz, o médico Drauzio Varella, e até mesmo o deputado Delfim Netto, revelam um governo enfraquecido, sem capacidade de formular um plano que seja capaz de atrair novos apoios que o façam prescindir de barganhas no Congresso.
Com isso, a reforma tem tudo para trazer mais instabilidade ao quadro político, pois o governo não terá o apoio do PMDB como um todo, reforçando apenas a parte que já é governista, comandada pelos senadores José Sarney e Renan Calheiros.
Significativo dessa situação de fragilidade do governo é que a senadora Roseana Sarney, que já esteve muito interessada em ocupar uma pasta em momentos mais amenos, hoje nem sequer seja um nome cogitado, mesmo com o senador Sarney dando as cartas.
Além do mais, a declaração do líder do PMDB, deputado José Borba, de que negociava o preenchimento de cargos no governo com o publicitário Marcos Valério, revela mais uma faceta dessa grande armação, cada vez mais evidente, que foi montada nos subterrâneos do governo Lula para controlar o Legislativo e aparelhar o Estado.
O PMDB, que estranhamente estava fora das acusações do mensalão, caiu na rede de intrigas do Congresso com a admissão de seu líder de que utilizava a influência do publicitário mineiro para conseguir nomeações na máquina do Estado.
O mais curioso, ou intrigante, nesse caso é que Borba é líder representando o grupo político ligado aos senadores Calheiros e Sarney. Não deveria, portanto, trabalhar para sabotar a atuação de seu grupo. Por outro lado, o deputado Saraiva Felipe sempre foi ligado ao grupo do ex-governador Garotinho, que trabalhou para substituir Borba por ele. Pois o deputado Saraiva Felipe é apontado como provável futuro ministro. Quer dizer, Lula estaria nomeando ministro um político ligado a seu potencial adversário.
Mas não apenas esse mistério intriga. Ninguém consegue explicar como o publicitário Marcos Valério, que depõe hoje apoiado por um hábeas-corpus preventivo do Supremo, alcançou tamanho trânsito dentro do partido a ponto de ter sido avalista de um empréstimo de R$ 2,4 milhões logo no início do governo petista. Para ter tamanha intimidade, chegando até mesmo a pagar uma parcela da dívida, tudo indica que o publicitário já fazia parte do esquema petista antes mesmo da posse do novo governo, provavelmente tendo atuado na campanha eleitoral.
Caso contrário, não haveria tempo suficiente para se aproximar da cúpula do partido e do principal ministro do governo, o então todo poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, a quem levou no Palácio do Planalto a direção do banco BMG antes do empréstimo ter sido concedido. Como que para demonstrar sua força dentro do novo esquema político que assumira o poder.
A saída a conta-gotas dos principais dirigentes do PT — ontem foi a vez do tesoureiro Delúbio Soares — só mostra a incapacidade do partido, que é a mesma do governo, de organizar ações minimamente coerentes. As reações individuais tomam lugar das coletivas, num partido que se vangloria de decidir tudo na busca do consenso.
A saída do secretário-geral Sílvio Pereira e de Delúbio, e a permanência do presidente do PT, José Genoino, exibe a divisão do partido e uma escolha entre seus principais dirigentes sobre quem deve ser culpado pelos erros.
Genoino está usando toda sua história dentro da militância de esquerda para se manter no cargo, e apesar de publicamente não culpar Delúbio, jogou sobre o tesoureiro do PT a responsabilidade pelo aval dado por Marcos Valério. Ao mesmo tempo, a dissidência de esquerda petista lança-se contra a permanência de Genoino, aproveitando o momento desfavorável que o grupo Articulação vive.
Responsáveis pela expulsão ou perseguição de vários parlamentares que se insurgiram contra a linha assumida pelo governo, especialmente na política econômica, os atuais dirigentes petistas vêem-se agora envolvidos em transações tão suspeitas que lhes corroem a força política, e em contrapartida fortalecem seus adversários internos.
É uma crise política que só faz crescer a cada dia, e nada indica que exista capacidade de articulação, dentro do governo, para superá-la. A saída do ministro José Dirceu da Casa Civil cortou os laços explícitos entre o partido e o governo, origem de toda a degradação do sistema político que hoje está evidente.
Mas cortou também, talvez por isso mesmo, a capacidade de operação política do governo. Não há, no governo, um líder que seja capaz de fazer o governo andar, a não ser o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que continua tocando a economia com firmeza e criatividade, a ponto de propor uma discussão sobre o déficit zero em meio a essa balbúrdia política que domina o cenário.
Se, como se especulava ontem no fim do dia, o ministro da Fazenda conseguir trazer para sua órbita de influência ministérios como o da Previdência, que têm claros reflexos no quadro econômico, estará consolidando sua presença no governo.
Entrevista:O Estado inteligente
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