Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 09, 2005

A maioria acha que ele sabia

veja

A crise começa a erodir a imagem do
presidente. Uma pesquisa da Ipsos-Opinion
mostra que 55% dos brasileiros acreditam
que Lula sabia da corrupção no governo

 

Evaristo Sá/AFP
ABRE O OLHO, PRESIDENTE
Se realmente foi informado de tudo e nada fez, o presidente Lula pode se tornar alvo de um processo de impeachment

É um clichê, mas certamente não maior do que o de políticos sendo corrompidos com malas de dinheiro: assim como se dizia a respeito da mulher de César, não basta a um presidente ser honesto. Ele precisa parecer honesto. E, infelizmente, na percepção da maioria dos brasileiros, Luiz Inácio Lula da Silva já começa a não parecer tão honesto ou capaz de garantir a honestidade de seu governo. A lama da corrupção, na qual soçobrou o Partido dos Trabalhadores, sujou sua imagem. Uma pesquisa feita pelo instituto Ipsos-Opinion mostra que 55% dos brasileiros acreditam que o presidente sabia, sim, do esquema do mensalão, montado por seu partido para pagar políticos da base aliada. Desses, 16% apontam o dedo acusador, num julgamento sumário: Lula não só sabia como estava envolvido. Os outros 39% crêem que, informado sobre o esquema, ele foi omisso. O dado conflitante que emerge da pesquisa do instituto Ipsos é que, apesar de a maioria acreditar que Lula sabia do esquema, 55% da população afirma que o presidente é honesto. A explicação para esse paradoxo, segundo os pesquisadores, é que parte dos que escolheram a alternativa "Lula sabia, mas não fez nada" simplesmente não tem noção ou parece se esquecer de como a omissão é um grave crime de responsabilidade em se tratando do presidente da República – e, assim, cravam que Lula é honesto. "Para salvar o homem Lula, o eleitor incinerou o Lula presidente", diz o sociólogo Antônio Lavareda.

A percepção popular negativa, evidentemente, não significa que o presidente seja culpado. O problema, repita-se em outros termos, é ele parecer culpado. A falta de credibilidade que nasce da aparência de culpa não coloca em risco somente o projeto de reeleição de Lula (uma hipótese cada vez mais remota). Ela afeta também a governabilidade, com o perdão da má palavra. Um governo precisa ter a confiança da população para traduzir-se plenamente no verbo governar. É essa confiança que lhe permite muitas vezes adotar medidas duras porém necessárias. É essa confiança que lhe dá força para resistir aos ratos cujo grande projeto é a negociata e o único futuro, o individual – em algum paraíso fiscal. Diante das denúncias que se avolumam, o que inclui bizarrices como petista sendo preso em aeroporto com dólares na cueca (veja reportagem), só um otimista irrecuperável diria que é possível deter a erosão por que passa o governo Lula. Um governo que, mais do que qualquer outro na história recente do Brasil, cometeu o erro de confundir-se com o partido político do qual se originou.

De acordo ainda com a pesquisa do instituto Ipsos-Opinion, o PT, que dava a impressão de ter o monopólio da honestidade, hoje é visto como um partido de larápios. Apenas 36% da população acha que o PT é honesto. E chega a 54% a parcela dos que acreditam que toda, frise-se, toda a cúpula do partido está envolvida em corrupção. O que inclui o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que foi o homem mais forte do governo nos primeiros trinta meses da gestão Lula. "Para o eleitor, o PT acabou no sentido de ser um partido diferenciado dos outros", afirma Carlos Augusto Montenegro, do Ibope. As desculpas esfarrapadas para os indícios e provas de corrupção que envolvem os petistas somente reforçam que o PT é mesmo um partido igual às mais fisiológicas agremiações da República – ou pior que elas. Ministros que dizem não saber o que faziam seus auxiliares mais próximos, políticos que afirmam ter assinado contratos de empréstimos milionários sem ler (um genuíno Genoíno), líderes de bancada que juram desconhecer o mensalão, para não falar daquela malandragem de dizer que todas as acusações são "golpismo das elites contra o governo operário" (operário ou de operadores?) – todos esses argumentos e justificativas pífios, se não convenciam, agora irritam.

 

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Charlie Bibby/AP
SÓ PALAVRAS
Genoíno tenta explicar na TV por que mentiu ao dizer que Valério não era avalista do PT, mas não convence. Lula larga a crise para se encontrar com Bush na Escócia. As denúncias também corroeram sua imagem internacional

O pior é que fica cada vez mais difícil acreditar que Lula não sabia de nada. Diz-se que o presidente teria tomado conhecimento das denúncias do mensalão em mais de uma ocasião. O deputado Roberto Jefferson afirma que contou tudo a Lula em janeiro. Essa versão foi confirmada pelo ministro de Coordenação Política, Aldo Rebelo. O líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro, declarou ter presenciado outro relato feito por Jefferson ao presidente. E o governador de Goiás, Marconi Perillo, afirma que relatou a Lula no ano passado o pagamento de mensalão a parlamentares da base do governo. Será possível que todos estejam mentindo? Sim, é possível. No entanto, se as CPIs em curso no Congresso comprovarem a existência do mensalão e se for provado que o presidente foi informado de tudo, Lula estará numa situação crítica. A omissão, aqui, pode ensejar a abertura de um processo de impeachment.

A crise liquidou o humor de Lula. Seus ministros dizem que o presidente anda deprimido, solitário e, não raro, apático. Seu estado de espírito piorou bastante na semana passada, depois que VEJA revelou que o lobista Marcos Valério Fernandes de Souza havia avalizado e pago um empréstimo feito pelo BMG ao PT. Também não foi reconfortante saber (se é que não sabia) que o patrimônio da antiga empresa de consultoria do ministro da Secretaria de Comunicação do governo, Luiz Gushiken, um de seus amigos mais íntimos, havia crescido 600% na gestão petista. Para evitar que o ensimesmamento do presidente seja entendido pela população como incapacidade para lidar com a crise, seus assessores o aconselharam a manter a viagem à Escócia, onde participou como convidado do encontro do G8, a reunião dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, no qual Lula manteve um breve colóquio com o presidente americano, George W. Bush. Mas até no exterior a imagem do líder brasileiro está arranhada. Seus assessores também vendem a idéia de que o presidente comanda integralmente a reforma ministerial – uma reforma que pretendia conduzir ao Planalto figuras ilustres, como o médico Drauzio Varella e os empresários Antônio Ermírio de Moraes e Abilio Diniz, e que só conseguiu atrair a segunda linha do PMDB.

Os ministros que ficaram com Lula estão divididos entre aqueles que acham que ele deve se preocupar apenas em concluir o mandato e salvar a biografia e os que acham que ele pode sair da crise e conseguir um novo mandato. Entre os que acreditam que a maior tarefa de Lula é controlar a crise e tentar sair não muito chamuscado dela estão os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Nos últimos dias, começou a ter eco em Brasília uma idéia surgida no ninho do PSDB. Por ela, Lula deveria articular uma saída honrosa para desistir da reeleição. O caminho seria aprovar com o apoio dos tucanos uma emenda constitucional eliminando essa alternativa. Por enquanto, Lula não cogita levar o projeto adiante. "Vamos deixar o povo decidir se serei ou não candidato", disse a um colaborador. O povo que, unido, dificilmente será convencido.

 

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