Sociólogo vê neogetulismo em presidente
(19/04/05)
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preserva traços negativos do getulismo e desmonta traços positivos. Torna-se, assim, expressão daquilo que, como líder sindical, condenava há 30 anos.
A avaliação é de Ricardo Antunes, 52, professor titular de sociologia do trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Leia a seguir trechos da entrevista dada à Folha por Antunes, autor de "O Novo Sindicalismo no Brasil", entre outros livros.
Folha - Como era o sindicalismo há 30 anos?
Ricardo Antunes - Nesse período entre 75 e 78, que marca a retomada de um novo sindicalismo brasileiro após o golpe de 64, era um sindicalismo "apolítico". A luta econômica era muito forte. Havia uma aversão à política. A classe trabalhadora queria voltar a ser considerada no quadro nacional e, depois, falar por si. Lula recusava os políticos que falavam em nome da classe trabalhadora mas que não a representavam.
Folha - Essa fase "apolítica" dura quanto tempo?
Antunes - Começa a se alterar a partir dos anos 79 e 80, quando há grandes greves. Era claro, depois das greves do ABC, que era preciso um sindicalismo independente do Estado e que se definisse politicamente em oposição à ditadura.
Era uma reivindicação muito forte da CUT a independência política clara e cabal em relação ao Estado. Nos anos 80, há uma recusa forte à idéia do sindicalismo atrelado ao Estado porque se sabia que era uma das principais mazelas do sindicalismo brasileiro. É uma ironia da história. A reforma sindical do governo Lula mantém um traço estadista que é continuidade do getulismo.
Folha - E o sindicalismo hoje?
Antunes - Ele adquiriu traços novos, que podem ser vistos na configuração da CUT. Ela abandonou o vínculo que tinha com as lutas sociais e hoje é muito mais negocial e distante da base. A simbiose entre CUT e governo Lula é intensa, um tipo de neogetulismo.
Folha - Como agiu o Lula nessa mudança?
Antunes - Lula passou por um monumental processo de regressão social, política e ideológica. Lula foi nosso líder sindical mais importante no século 20. Nunca houve um líder sindical com a densidade social dele. Essa densidade, desnecessário dizer, ficou nos anos 80. A densidade dele hoje é de outro tipo. Tornou-se um político profissional, líder de uma máquina partidária que pratica o poder de modo igual aos partidos que criticou. Hoje valem a política tradicional e muito pouco os interesses dos trabalhadores.
Folha - Lula pode ser alvo das críticas que ele fazia 30 anos atrás?
Antunes - Certamente. Ele foi tragado por aquilo que ele, como ninguém, denunciou nos anos 70. Hoje ele é a expressão daquilo que condenava há 30 anos.
Folha - Quais são as perspectivas para o sindicalismo?
Antunes - Um desafio fundamental é representar a totalidade da classe trabalhadora, que é estável e instável, qualificada e não-qualificada. O quadro atual nos coloca um desafio: não basta um sindicalismo herdeiro do peleguismo e não basta o sindicalismo negocial. A terceira alternativa é um sindicalismo que faça a reivindicação econômica articulada com uma atuação sociopolítica.
Folha - Por qual caminho o sindicalismo vai seguir?
Antunes - Se a reforma sindical proposta pelo governo for aprovada, o que penso que seria negativo, teremos uma cupulização forte e vai fortalecer especialmente a segunda tendência. Se não for aprovada, fortalecerá a retomada do sindicalismo de base.
Folha - Ou seja, o governo Lula não contribui...
Antunes - Ao contrário. A legislação social no Brasil foi criada por Getúlio, um estancieiro que, sob pressão dos trabalhadores, foi forçado a criar uma legislação social protetora do trabalho. Falo da legislação trabalhista -que é positiva-, não da sindical. Agora cabe a um artífice metalúrgico, sob pressão dos capitais, destruir a legislação do trabalho criada por Getúlio e, desse modo, reestruturar a dimensão sindical no Brasil ao contrário das bandeiras que os sindicatos lutavam na segunda metade dos anos 70 e 80.
Folha - Essas mudanças são positivas ou negativas?
Antunes - Negativas. Os traços negativos ele preserva, e os traços positivos do getulismo, que eram decorrentes das lutas sociais, esses traços da legislação social do trabalho, pela qual os trabalhadores lutavam desde o século 19, esse traço o Lula está desmontando.
Folha de S. Paulo
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