Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 02, 2008

Miriam Leitão Inflação reprimida

O GLOBO

A inflação brasileira está perto do topo da meta, apesar de os preços terem uma distorção gritante na área de energia. A inflação que assusta o mundo tem dois braços: alimentos e energia. Aqui, a gasolina não aumenta, esteja o petróleo a US$ 40, US$ 60 ou US$ 140. Mas sobem o óleo combustível, o querosene de aviação e a nafta. O GLP para a indústria subiu 30% este ano e não sobe desde 2002 para as residências.

A Petrobras usa dois argumentos para explicar a falta de correção dos preços de derivados ao consumidor: que a alta do petróleo é compensada pela queda do dólar e que é preciso esperar que os preços do petróleo se estabilizem.

Os argumentos não se sustentam diante de outros preços da empresa. O dólar caiu, porém esse suposto efeito de compensação não acontece nos derivados que não são cobrados diretamente do consumidor, como o combustível para aviação, o óleo para a indústria ou a matéria-prima da petroquímica. O argumento se desmoraliza por esse tratamento diferenciado.

Se é fato que o dólar compensa a alta do petróleo, ou que é preciso esperar que o petróleo se estabilize em algum patamar, então deveria valer para todo tipo de consumidor. Poupando apenas o residencial, o governo está fazendo populismo tarifário.

Além do mais, isso podia até ser verdade no segundo semestre do ano passado, com o petróleo a US$ 60, mas agora está a US$ 140, e o dólar não caiu tanto a ponto de explicar o preço congelado. O governo concedeu um aumento de preços para a Petrobras que não chegou ao consumidor de gasolina e chegou atenuado ao de diesel. Esse fato só reforça o ponto: os preços internos estão sendo subsidiados numa hora de choque de preços internacionais.

Ou seja, há uma inflação reprimida. O querosene de aviação subiu 36% em 12 meses; o óleo combustível, 54%; e a nafta aumentou 19%, em real, e 42%, em dólar.

O Brasil não está tão errado quanto a Argentina, que manipula os preços interferindo no Indec, contudo o governo está impedindo o repasse de um pedaço do choque externo. Está reprimindo uma parte da inflação e manipulando os preços através da empresa estatal.

(A propósito, o ministro Edison Lobão disse que a Petrobras é uma empresa privada. Alguém precisa socorrêlo com a informação de que a Petrobras tem capital aberto, mas continua sendo uma estatal, pois o controle permanece nas mãos do governo.) O impacto de reajustes reais de gasolina, diesel e gás de cozinha, quando e se ocorrerem, não será desprezível.

Eles têm peso direto e indireto na inflação. O diesel impacta o transporte urbano e outros preços, pelo custo do frete. Combustíveis para veículos têm peso de 4,8 pontos no IPCA, e só a gasolina é 4,3 pontos, o que é um peso enorme. Além disso, indiretamente atinge ônibus urbano, que tem peso de 3,8 no índice. Ninguém quer mais inflação, mas reprimila, praticando preços fora do lugar, cria um artificialismo na economia.

Hoje o consumidor brasileiro vive numa redoma, protegido dos aumentos de preços que provocam reações do consumidor no mundo inteiro. O combate à inflação não pode ser feito através da contenção de alguns preços; tem que ser pelos instrumentos clássicos: política monetária e política fiscal.

No Brasil, o único instrumento usado está sendo a taxa de juros.

Os ministros da Fazenda e do Desenvolvimento gostariam que o governo fizesse algo para elevar a taxa de câmbio. Eles temem a rápida queda do superávit comercial e a deterioração do déficit externo. Dois problemas neste desejo: com os juros subindo, é bem difícil imaginar que o real vai se desvalorizar; no entanto, se isso acontecesse, tornaria mais difícil manter intocados os preços ao consumidor dos derivados de petróleo.

Os preços da energia elétrica também têm caído, apesar de o cenário nos próximos anos ser de falta de oferta. Isso ocorre pelo modelo tarifário e pela estratégia do governo de pôr as estatais puxando o preço da energia para baixo nos leilões.

É mais um preço com sinal trocado. Mais um artificialismo que se forma na economia. Segundo Claudio Sales, do Acende Brasil, num artigo publicado recentemente, tiveram reduções de tarifas, dentre outras, a AES Sul, Bandeirante, Caiuá, Celesc, Celpa, Celtins, Cemig, Cenf, Cocel, Coelba, Copel, Cosern, CPFL Paulista, CPFL Piratininga, Elektro, Eletropaulo, Energipe, Enersul, Escelsa, Light e Saelpa. Ele conta que o IPCA divulgado em maio mostrou queda de 0,49% para a tarifa residencial de energia elétrica. Os dados da Aneel também indicam que a tarifa residencial média no Brasil caiu no ano passado.

O presidente Lula tem dito que não permitirá que a inflação suba, o ministro da Fazenda garante aos aliados que está atuando para controlar a inflação, mas a população brasileira que conhece o animal inflacionário acha que a tendência é de alta, como mostrou a pesquisa Ibope. O ministro Guido Mantega disse que era a “inflação do feijãozinho”. Vai além do alimento tipicamente brasileiro; atinge outros alimentos, preços de outras áreas, se dissemina na cadeia industrial e há riscos de indexação.

A inflação só não é maior porque preços relevantes, como gasolina e gás, não têm subido; e o diesel aumentou quase nada. Mas longe de ser virtude da política econômica, é uma anomalia.

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