Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 26, 2008

Os enclaves econômicos Paulo R. Haddad*

Nesta nova etapa da economia brasileira, mais privatizada, mais globalizada, mais estável e menos desregulamentada, está emergindo um novo ciclo de grandes projetos de investimento, como durante o "milagre econômico" dos anos 1970. São grandes unidades produtivas que se destinam ao desenvolvimento de atividades básicas com efeitos para frente e para trás em poderosas cadeias produtivas (minérios e metais) ou grandes obras de infra-estrutura econômica (represas, usinas hidrelétricas, complexos industriais portuários).

As populações dos municípios onde se localizam esses investimentos se perguntam quais benefícios poderiam advir dos projetos para as suas atuais e futuras gerações. Essa pergunta é repetida nos municípios do sudeste do Pará e no Quadrilátero Ferrífero de Minas, onde se implantam grandes projetos de mineração; nos municípios do norte fluminense e no Recôncavo Baiano, onde chegam os investimentos dos complexos petrolíferos; nos municípios na área de influência das hidrelétricas dos Rios Madeira e Tocantins; etc. Muitas vezes, essa demanda para o enraizamento local de parcela significativa dos benefícios dos grandes projetos de investimento se processa por meio de intensa mobilização social e, crescentemente, por meio de graves tensões políticas.

Podem-se observar três padrões de articulação de um grande projeto de investimento com interesses econômicos e sociais de uma localidade ou da região em que se insere.

1) o padrão de um enclave econômico: o empreendimento se abastece de insumos e serviços importados de outras regiões e do exterior; os seus produtos são beneficiados fora da região em que se insere; incentivos fiscais anulam os impactos tributários sobre os níveis de governo estadual e municipal; os investimentos públicos federais ficam orientados, fundamentalmente, no sentido de garantir a infra-estrutura econômica necessária para dar suporte à promoção do novo projeto; muitas vezes, o emprego gerado durante a fase de implantação do empreendimento se reduz de forma significativa durante a sua fase de operação, e as necessidades de capacitação da mão-de-obra podem diferir em ambos os momentos.

2) o padrão de articulação seletiva: neste padrão, a direção do novo empreendimento estimula ações proativas de relações com as comunidades locais, de forma seletiva em tudo aquilo que possa atingir a sua imagem institucional: cuidados especiais com os impactos ambientais nas fases de implantação e de operação; compras de fornecedores locais em condições equivalentes de preço e de qualidade de bens e serviços; participação em alguns projetos locais de desenvolvimento cultural ou social.

3) o padrão de articulação integrativa: neste padrão, o grau de integração entre os interesses da direção do empreendimento e os interesses locais e regionais se aprofundam na seguinte direção: o adensamento da cadeia produtiva do novo empreendimento na região em que se insere, levando em consideração as oportunidades de investimentos que os efeitos de dispersão para frente e para trás geram em sua fase de operação; a ampliação do volume de compras de bens e serviços locais em condições equivalentes de preço e qualidade; a internalização de parcela significativa do excedente econômico, formado pelo empreendimento na região, em projetos de ampliação, modernização, diferenciação ou diversificação da produção regional ou local; o esforço conjunto com as lideranças locais na promoção das oportunidades de investimentos regionais; a realização de investimentos de preservação ambiental e de desenvolvimento sustentável nas áreas de influência direta e indireta do empreendimento.

O padrão de articulação que tende a prevalecer dependerá não apenas do voluntarismo das lideranças locais, mas de fatores objetivos das realidades municipais: a qualidade institucional da gestão pública local, o grau do empreendedorismo local, a capacidade endógena de construir e implementar estratégias de desenvolvimento de médio e de longo prazos, a diversidade da sua base de recursos naturais, a estrutura do sistema tributário nacional, etc.

Neste contexto em que os grandes projetos de investimento criam imensas oportunidades para as populações locais (geração de emprego e renda, compras locais, expansão da base tributável), cada município terá o nível de desenvolvimento que suas lideranças tiverem a capacidade de sonhar e de construir.

*Paulo R. Haddad, economista, é professor do Ibmec/MG. Foi Ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco.

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