Passados 26 anos, as contas da Previdência estouraram todos os anos. E não só da Previdência. Todos os grandes itens que compõem o Orçamento da União (entre eles, pagamento de funcionários ativos e inativos e transferências financeiras para Estados e municípios) também estouraram. Entram e saem governos, o rombo fiscal se robustece e nenhum presidente decide adotar um programa firme e sério para começar a reverter tal situação.
Os números são da Secretaria do Tesouro, organizados por Giambiagi: na gestão Itamar Franco, as despesas do governo central somaram 15,08% do PIB; nos oito anos de FHC já chegavam a 18,63%; e em seis anos de Lula, até o final de 2008, a previsão é de saltar para 22,09% do PIB. Ou seja, em nenhum ano o setor público deu trégua aos brasileiros e exige cada vez mais dinheiro de impostos para saciar seus gastos. Tanto que Itamar Franco iniciou o governo com uma carga tributária de 24,4% do PIB e Lula deve encerrar 2008 com 35,8%. Isso significa, leitor, que todos os meses o trabalhador brasileiro entrega ao governo 35,8% de seu salário, em forma de pagamento de impostos.
Item que influencia fortemente o rombo fiscal, a preocupação com a Previdência desde 1982 denuncia que o diagnóstico é tão antigo quanto a falta de determinação dos sucessivos governos para resolver o problema. FHC tentou e só conseguiu produzir o fator previdenciário; Lula fez uma meia-sola de reforma, que em nada aliviou o rombo. Na quinta-feira, o governo anunciou que no primeiro semestre deste ano o déficit foi 17,5% menor do que em 2007 e reduziu de R$ 42 bilhões para R$ 38,5 bilhões a previsão até dezembro.
Seria uma queda consistente e duradoura? Não, porque são números que refletem uma conjuntura de crescimento da economia, do emprego e da arrecadação previdenciária, e que pode ser revertida se a crise mundial atingir o Brasil com mais força, como temem analistas e investidores. Não decorrem de regras de aposentadoria que garantam resultados cadentes, seja qual for a conjuntura. Giambiagi reconhece que o cenário de crescimento a taxas de 4% a 5% favorece e evita um colapso nas contas públicas por conta da Previdência. "Mas é necessário mudar a estrutura, porque a conjuntura não será favorável para sempre", adverte o economista.
O dilema é que o governo Lula não tem aproveitado os últimos cinco anos de vacas gordas, de arrecadação tributária crescente e de popularidade política do presidente para fazer o que precisa ser feito: equilibrar as contas do governo, reduzir a dívida pública e recuperar para o Estado a condição de investidor em infra-estrutura. O governo administra os recursos financeiros no estilo mão para a boca, de forma imediatista: se há uma sobra de caixa, arranja logo um jeito de gastá-la; se há falta de recursos, aumenta impostos. É um estilo que atrofia o desenvolvimento e impede que o País cresça de forma sustentada e contínua por muitos anos. A China cresce há mais de 20 anos porque poupa 45% do que produz; o Brasil, só 17%, e não sai disso há anos.
Quer ver exemplos? Na quarta-feira, o Banco Central elevou a taxa de juros Selic em 0,75%, para 13% ao ano. Nos últimos seis meses, a dívida pública cresceu R$ 74,8 bilhões só por conta do aumento da Selic. Ora, se o governo precisa elevar juros para combater a inflação, a lógica é economizar gastos para pagar o impacto dos juros na dívida. Mas o governo Lula não age assim.
Levantamento feito pelo deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) mostra que só em 2008 os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário criaram mais de 56 mil cargos, dos quais 10.375 serão preenchidos em 2008 e 45.068 entre 2009 e 2012. Ou seja, além de criar uma nova e gorda despesa, Lula cumpre o ritual dos velhos caciques políticos: conquista simpatia popular fazendo concurso público, mas espeta a conta para o próximo governante pagar.
Adormece no Congresso Nacional - sem nenhum interessado em despertá-lo - projeto do próprio governo Lula que fixa um teto de 1,5% acima da inflação para o aumento de gastos do governo. Aprová-lo seria um bom começo.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)