Tempo e dinheiro para comprar
Os brasileiros com mais de 60 anos consomem como
nunca. E as empresas já lançam produtos só para eles
Camila Pereira e Renata Betti
Paulo Pereira |
"É HORA DE GASTAR" A aposentada Clélia Rêgo, 70 anos, sempre poupou parte do salário que recebia como auditora da Receita Federal. É com esse dinheiro, somado à generosa aposentadoria, que ela banca compras em lojas de grife e em cruzeiros pela costa nordestina. Paga também o aluguel de 7 000 reais do flat cinco-estrelas onde mora, em São Paulo. É um lugar especializado em receber gente mais velha. Lá, ela tem aulas de ginástica e faz todas as refeições num restaurante de alto nível. "Esse é o momento de aproveitar. Gasto dinheiro sem culpa." |
Eles têm dinheiro no bolso, tempo de sobra para o consumo e uma notável disposição para gastar. Quando vão às compras, a conta sai quase 10% mais alta do que a da média dos demais clientes. Trata-se de um grupo de brasileiros que já passou dos 60 anos – e nunca teve renda tão alta. Os rendimentos cresceram 74% nos últimos quinze anos, porcentual expressivo diante do que ocorreu nas demais faixas etárias: um aumento de 48%. Essa parcela da população conta com 19 milhões de pessoas, 25% mais do que eles representavam na década passada. E vai aumentar. Os dados vêm de um recente estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), que traçou um detalhado perfil dos consumidores de terceira idade. "Nunca houve no Brasil um momento tão bom para investir em negócios voltados para eles", resume o economista Marcelo Neri, coordenador da pesquisa. É por isso que grandes empresas começaram a apostar nesse grupo – algo bem recente no país. No turismo, setor em que os mais velhos já compram 40% dos pacotes, houve adaptações, sobretudo nos cruzeiros, opção preferida depois dos 60. As operadoras passaram a oferecer mais hidroginástica, cardápios leves e bingo, três das demandas dessa faixa etária. No mercado imobiliário, pela primeira vez surgem edifícios old friendly (termo em inglês para designar construções adaptadas aos mais velhos). São repletos de corrimãos e pisos antiderrapantes e não têm degraus. Diz Romeu Busarello, diretor de marketing da Tecnisa, uma das construtoras a investir no gênero: "Quem quer ganhar dinheiro hoje precisa mirar esse público".
De cinco anos para cá, com o envelhecimento acelerado da população brasileira, as empresas começaram a apostar no novo mercado que se abria, mas nunca de forma tão consistente quanto agora. Algumas delas já planejam, inclusive, investir num estrato específico desse grupo etário: o de pessoas que cruzaram a fronteira dos 80 anos. Atualmente, há 1 milhão delas no país. Em 2050, chegarão a 10 milhões. São números que justificam, por exemplo, o investimento da Natura na pesquisa de cremes para gente mais idosa. A motivação veio do enorme sucesso alcançado por tais cosméticos na Europa e no Japão, onde o fenômeno do envelhecimento da população é bem mais antigo e acentuado. "Estamos diante de um mercado de extraordinário potencial", conclui Joel Ponte, diretor de marketing da Natura.
O Brasil segue, portanto, o mesmo caminho de países onde os idosos já representam mais de 20% da população – e a adaptação do mercado a esse fato se tornou uma necessidade há mais tempo. Na tentativa de atrair os mais velhos, as empresas de tecnologia começaram a lançar eletrônicos com teclas maiores e fluorescentes, som mais alto e recursos inusitados, como a medição dos níveis de glicose e da pressão arterial, ambos embutidos num telefone celular da LG. O setor automobilístico é outro que aposta no afã consumista – e no vigor físico – de quem já passou dos 70 e beira os 80. São pessoas que, segundo apontam as pesquisas, não pretendem abandonar a direção. Para elas, fabricantes japoneses como Nissan e Toyota planejam lançar veículos programados para reduzir certos riscos típicos dessa faixa etária. Na fábrica da Nissan, os funcionários envolvidos na pesquisa dos novos carros vestem jaquetas preenchidas com gesso, que simulam as dificuldades de movimento de alguém com artrite, e usam sapatos com o bico inclinado, para conferir sensação de desequilíbrio. O objetivo é chegar a um produto adaptado às eventuais limitações físicas de um motorista mais velho.
O mercado brasileiro interessa a essas empresas. Antes de tudo, porque o número de brasileiros acima dos 60 equivale à população inteira de alguns países, como a Holanda. Um outro dado positivo diz respeito ao crescimento recente da renda entre os mais velhos, o que se deve, basicamente, a dois fatores. Primeiro, ao aumento no valor das aposentadorias pagas pelo governo. Em segundo lugar, ao volume de dinheiro acumulado em previdências privadas. O valor dobrou nos últimos cinco anos. Fenômeno típico de países onde as pessoas vivem mais e se tornam naturalmente precavidas em relação à velhice. O que torna esse mercado ainda mais atraente no Brasil é o fato de que os idosos tiveram recentemente acesso ao crédito facilitado. Isso ocorre porque, de quatro anos para cá, o pagamento do empréstimo passou a poder ser debitado diretamente da aposentadoria. Para os bancos, o risco é menor. Para gente como a funcionária pública aposentada Clélia Rêgo, 70 anos, significa taxas de juros menores, mais tempo para quitar a dívida – e um estímulo a mais para o consumo, algo que ela adora. Vivendo num flat de luxo para a terceira idade, em São Paulo, seu principal hobby é ir às compras. "Poupei a vida inteira. Chegou a hora de gastar."