O avô Tancredo Neves ensinava: em política, o importante é saber escolher os adversários. O neto, governador de Minas, Aécio Neves, seguiu os conselhos à risca nesta manobra delicada em que se envolveu na tentativa de lançar uma ponte que permitisse a um futuro governo do PSDB ou do PT uma aproximação que já foi provável e agora parece a cada dia mais difícil. A aliança entre o PT e o PSDB em Belo Horizonte é um exemplo dessa dificuldade imposta pela direção nacional petista, mesmo a despeito da posição pessoal do presidente Lula, favorável à aliança regional e, apontando mais longe, à união nacional entre os dois partidos que dominam a cena política nos últimos 20 anos.
De repente, o velório de Ruth Cardoso reaproximou desafetos e abriu espaço para mais uma tentativa de recomposição futura, que gerou a atitude inesperada do presidente Lula de desautorizar publicamente seu partido e referendar a legitimidade, e até mesmo a necessidade, de um pacto como o celebrado em Belo Horizonte, onde o PSDB do governador apóia uma chapa que tem um candidato do PSB na cabeça e um petista de vice.
Ao vetar a aliança na sua instância mais alta, depois que ela fora aprovada pelos diretórios regional e estadual, o PT mostrou que sua visão política é pragmática até certo ponto. Aceita fazer acordos “até com o diabo”, mas não quer fortalecer uma eventual candidatura tucana à Presidência da República.
O que parecia uma derrota da estratégia do governador Aécio Neves, que, em vez de se apresentar ao eleitorado brasileiro como o político hábil que aproxima até os desafetos, apareceria como um derrotado, que teria que dar um apoio clandestino a uma chapa que ele criara, mas que estava sendo impedido pelo PT de apoiar oficialmente, acabou se transformando novamente em um trunfo político graças ao resgate de Lula.
O governador Aécio Neves conseguiu, afinal, ressaltar pontos importantes para sua estratégia: o candidato Márcio Lacerda, um secretário estadual ilustre desconhecido do resto do país, tornou-se um político falado em nível nacional, e o PT mineiro saiu rachado desse embate, ficando o governador com a escolha de seus adversários no PT: os ministros Luiz Dulci, secretário-geral da Presidência, e o do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, enquanto o prefeito da capital, Fernando Pimentel, continua do mesmo lado, agora com o respaldo do presidente Lula.
No final das contas, rachar o partido adversário não deixa de ser um resultado positivo.
O governador de Minas é daqueles que acreditam que há uma boa parte do PT que não se contaminou com as crises de corrupção em que o partido se viu envolvido desde o mensalão, e acha que o presidente Lula lidera essa parcela, que poderia se unir ao PSDB e a setores de outros partidos da base aliada para fazer um governo de coalizão em que o aparelhamento do Estado e o fisiologismo não sejam a tônica.
A esse respeito, a entrevista do chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho, à revista “Veja” desta semana tem indícios interessantes.
Ele garante, por exemplo, que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu não tem uma ligação de amizade com o presidente Lula, e classifica de “picaretagens” os vários fatos ligados à corrupção petista à época, como o dirigente partidário que foi preso com dólares na cueca.
Os comentários de Gilberto Carvalho dão a entender que ele, e principalmente o presidente, não concordam com esses procedimentos políticos.
Seria um sinal de que haveria um espaço dentro do governo para essa reaproximação com o PSDB, apesar de tudo.
Mas é preciso lembrar que o próprio Lula se encarregou de inocentar publicamente os “mensaleiros”, os “aloprados” e os “sanguessugas”, o que seria no mínimo uma atitude corporativista que não se coaduna com quem condena essas práticas.
Também Gilberto Carvalho é acusado pela família do ex-prefeito Celso Daniel de ter participado de arrecadações ilegais de dinheiro em prefeituras petistas pelo interior, esquema que teria sido montado por ninguém menos que José Dirceu.
Essa atuação de Dirceu e do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, nas prefeituras petistas foi denunciada há muito tempo por dois fundadores do PT, Paulo de Tarso Venceslau e César Benjamim. Segundo eles, os atos ilegais registrados no governo Lula nada mais são do que a maneira de fazer política do PT, de longa data.
O dossiê sobre supostos gastos irregulares do ex-presidente Fernando Henrique e dona Ruth, ordenado pela chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, seria apenas mais uma ação política petista de assassinato moral dos adversários, o que não recomendaria uma aproximação.
Outro fundador do PT que conhece muito bem a atuação de Lula é o sociólogo Francisco Weffort, o ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique. Ele, que já classificou Lula de “pelego” em artigos na imprensa, costuma dizer que ele não prega prego sem estopa.
Usando uma imagem dos antigos portugueses no Brasil Colônia, Weffort diz que Lula costuma “sangrar em saúde”, que era um hábito naquele tempo para prevenir doenças. Lula, quando elogia em público um corrupto ou dá demonstrações de apreço por um notório vigarista, como tem feito com desembaraço ao longo do tempo, estaria apenas prevenindo algum imprevisto mais adiante.
Há quem esteja convencido de que Lula não faz nada com objetivos imediatos. Se hoje está colando sua imagem à do governador Aécio Neves, é para disseminar a discórdia dentro do PSDB e enfraquecer o governador paulista José Serra, o outro candidato tucano à Presidência da República.
Lula estaria embaralhando o jogo para enfraquecer os adversários, e mais tarde extrair deles o que lhe for conveniente. O governador Aécio Neves está convencido de que outros gestos virão por parte de Lula para mostrar sua tendência à ampliação do diálogo com o PSDB.
Entrevista:O Estado inteligente
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