O Globo |
31/7/2008 |
Decepcionada com a política econômica de Lula, dita neoliberal, a esquerda depositava toda sua fé na diplomacia lulista, dita progressista. O presidente não se cansou de alimentar essa esperança. Ainda ontem, ao comentar o fracasso da Rodada de Doha, Lula disse que o Brasil fez de tudo para alcançar um acordo favorável aos "países economicamente menores e de agricultura mais frágil". Pobres contra os ricos. Daí nasce a diplomacia Sul-Sul, baseada na tese de que os países pobres são todos igualmente explorados pelos ricos, de modo que só podem ter os mesmos interesses políticos e econômicos. Portanto, parecia fácil: bastaria colocar na rua o bloco dos pobres e enfrentar os ricos de igual para igual. Assim, a diplomacia brasileira tratou de montar grupos de emergentes, declarou vários destes, como China, Índia e África do Sul, "parceiros estratégicos", repetiu em todos os fóruns que os ricos é que deveriam ceder nessa Rodada. De repente, no momento decisivo das negociações desta semana em Genebra, o Brasil se viu ao lado de EUA, Europa e Japão, os ricos, e da Austrália, tipo classe média alta, os cinco apoiando um texto básico de acordo. Ficaram contra a China e a Índia, que estavam nessa mesa de negociação, compondo a bancada dos emergentes, e que logo receberam a solidariedade da África do Sul e da Argentina, esta sócia principal no Mercosul. Algo saiu errado, não é mesmo? Fica a seguinte alternativa: ou bem a decisão de apoiar o acordo estava correta, por atender aos interesses econômicos do país, e nesse caso toda a diplomacia anterior estava errada; ou a diplomacia dos pobres era o caminho da luz e, nesse caso, o Brasil não tinha nada que apoiar um acordo com os ricos. Não admira que o Brasil tenha saído sem nada, sem acordo comercial e sem a liderança sobre o bloco dos pobres e emergentes. Um ex-bloco, na verdade, porque seus principais membros ou declararam-se traídos pelo Brasil (caso da Argentina) ou nem se dignaram a explicar suas posições, como China e Índia. A liderança brasileira era passiva. Funcionou enquanto o chanceler Celso Amorim dava sua voz às broncas genéricas dos emergentes. Quando chegou o momento da condução ativa, de levar para um acordo, tudo se dissolveu, foi cada um para seu canto. Resumindo, a diplomacia Sul-Sul não passava de uma bobagem. O mundo econômico não se divide entre pobres (incluindo emergentes) e ricos. Quando se trata de abrir mercados agrícolas da China e da Índia, o Brasil, com seu agronegócio moderno e exportador, está ao lado de EUA e Austrália, por exemplo. Quando se trata de derrubar tarifas e subsídios de americanos e europeus, o Brasil está ao lado da Austrália, de novo, e da Argentina, por exemplo. Será que a retórica diplomática era só para fins políticos internos? Só para se mostrar de esquerda? Certamente teve esse função, mas durante algum tempo pelo menos o governo acreditou nela. Tanto que causou estragos reais. O governo Lula ajudou a enterrar as negociações sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), praticamente abandonou as negociações bilaterais, especialmente com os EUA, e desprezou solenemente os países que fizeram acordos de livre comércio com Washington, como Chile, Peru e Colômbia. Eram "acordinhos", dizia o chanceler Amorim. O acordão, claro, era o da OMC, esse que fracassou. E agora? Agora é a vez de negociar os acordos bilaterais, inclusive com os EUA, diz o governo. Claro, foi o que sobrou. Mas em condições piores. Nesse meio tempo, por exemplo, os EUA fizeram diversos acordos pelo mundo, já não têm tanto interesse, não pelo menos até a definição do novo governo. A União Européia, que já quase rachou por causa de um acordo global, não se empenhará tanto em acordos parciais. De todo modo, a diplomacia brasileira tem que começar de novo, e começar por jogar fora a retórica pobres x ricos. Ao contrário do que sugeriu o presidente Lula, o acordo global, de abertura do comércio, que interessa muitíssimo ao Brasil, fracassou não por causa dos ricos, mas, no essencial, por causa da resistência de países emergentes que insistiram em proteger seus setores ineficientes. E que deram um alívio aos ricos e subsidiados agricultores de EUA e Europa, que estavam se julgando traídos pelos seus governos. O mundo não é simple |
Entrevista:O Estado inteligente
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