Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 26, 2008

Preso deputado chefe de milícia

Este homem é deputado estadual

Seu nome é Natalino Guimarães. Ele foi preso em casa, 
onde mantinha um arsenal.Um caso que mostra a que 
ponto chegou a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro


Ronaldo Soares

Fotos Marcos D’Paula/AE
PRONTO PARA A GUERRA
O deputado Natalino, no dia da prisão, e o arsenal apreendido em sua casa (à esq.): ele diz ser apenas "chefe de família"

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Na noite da última segunda-feira, cerca de trinta homens da Polícia Civil do Rio de Janeiro fizeram um cerco a uma casa em Campo Grande, Zona Oeste da cidade. O objetivo era capturar um bando acusado de homicídio e extorsão. Seria uma cena relativamente banal, tratando-se de uma cidade em guerra. Mas a casa em questão não era de um traficante de drogas ou de um assaltante, e sim de um deputado estadual: Natalino Guimarães (DEM), o principal alvo da operação. Apontado como líder de um grupo de policiais e ex-policiais que barbarizam a região, Natalino, segundo as investigações, reunia seus comparsas ali para planejar as ações do bando, que age como milícia, uma polícia paralela. Ao cerco seguiu-se um tiroteio de quase cinco minutos. Natalino foi preso quando fugia. Quatro comparsas também foram detidos – dois PMs, um assessor parlamentar e um segurança – e sete escaparam. Na casa do deputado, a polícia apreendeu um arsenal que mostra o poder de fogo do grupo: um fuzil, duas escopetas, uma metralhadora e quatro pistolas. Ex-policial civil, Natalino foi eleito com quase 50 000 votos. Seu principal feito na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) foi sugerir a criação de uma polícia comunitária, o que na prática legalizaria as milícias, proposta rejeitada pelo governo. Sua prisão acabou por escancarar o nível de banditismo a que chegou a representação parlamentar no estado, uma tradição que se reafirma a cada eleição para a Alerj, cada vez com um grau de periculosidade maior.

Esse circo de horrores não é um fenômeno recente. Nos anos 90, pairava sobre a casa a suspeita da "caixinha da Fetranspor", propina que empresas de ônibus pagariam a deputados para defender seus interesses. Outros escândalos vieram à tona mais tarde, como o de uma comissão parlamentar acusada em 2003 de tentar extorquir 1 milhão de dólares de um investigado. Uma nova suspeita de achaque, um ano depois, recairia sobre o deputado Alessandro Calazans (PMN), numa negociata para não incluir o empresário de jogos Carlinhos Cachoeira no relatório de uma CPI. Como costuma acontecer, a impunidade prevaleceu. Os deputados acabaram livrando Calazans da cassação.

Domingos Peixoto/Ag. O Globo

ESCÂNDALOS EM SÉRIE
Álvaro Lins preso: Assembléia do Rio mantém tradição de problemas com a Justiça

A degradação do Legislativo fluminense tem como pano de fundo a decadência política e econômica do estado, a partir dos anos 60, depois que o Rio de Janeiro deixou de ser a capital da República. Nesse processo, surgiu um vácuo político que seria ocupado por práticas clientelistas, consagradas a partir da década de 70 pelo governador Chagas Freitas. Com isso, políticos exploravam currais eleitorais valendo-se de sua influência para levar serviços públicos a seus redutos. Seguindo essa fórmula, parlamentares viraram intermediários entre o poder público e a população, na prática que ficou conhecida como "política da bica d’água". Perto do que se vê hoje, parece brincadeira de criança. Os políticos praticamente privatizaram certas atribuições do estado, impondo à população serviços como segurança e distribuição de gás em troca de votos. "Os melhores exemplos dessa apropriação do poder público pelos políticos são os centros sociais que eles mantêm e, em alguns casos, as milícias que eles controlam", diz o cientista político Carlos Eduardo Sarmento, da Fundação Getulio Vargas.

O caso de Natalino ocorre num momento em que a Alerj ainda estava abalada por outro escândalo policial: a prisão, há dois meses, do deputado Álvaro Lins (PMDB), ex-chefe da Polícia Civil, acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada, entre outros crimes. Natalino, por sua vez, foi autuado por porte ilegal de armas, formação de quadrilha armada, tentativa de homicídio e facilitação pessoal – um de seus comparsas era um foragido da Justiça. Junto com o irmão, o vereador Jerônimo Guimarães (PMDB), o Jerominho – preso desde dezembro –, o deputado é acusado de comandar a milícia conhecida como Liga da Justiça. Ao longo dos últimos oito anos, seus integrantes expulsaram traficantes de favelas da região e passaram a impor suas próprias leis no pedaço. A polícia acredita que, nesse período, a quadrilha foi responsável por oitenta a 98 assassinatos.

Mesmo com um currículo desses, Natalino sentia-se à vontade na Alerj. Sabia que podia contar com a cumplicidade dos colegas. O Legislativo fluminense faz triste figura no levantamento da ONG Transparência Brasil. Dos setenta deputados estaduais, 29 respondem a processos criminais ou receberam punições dos tribunais de contas. A maioria cometeu irregularidades que se tornaram praxe entre políticos de qualquer lugar do país, como improbidade administrativa e crimes eleitorais. Mas também há na Alerj deputados acusados de envolvimento em homicídio, como Geraldo Moreira (PMN) e Marcos Abrahão (PSL). E outros suspeitos de ligação com milícia, como Jorge Babu (PT), investigado pelo Ministério Público. Além de nomes que volta e meia freqüentam o noticiário policial, como José Nader (PTB), preso em 2005 por porte ilegal de armas. VEJA mostrou no início do mês que, em uma investigação da Polícia Federal, ele foi apontado como intermediário no recebimento de propina de uma quadrilha que "ajudava" prefeituras a aprovar suas contas.

Agora, resta esperar o fim do recesso parlamentar para saber qual será o desfecho do caso de Natalino, e também o de Álvaro Lins. Para se ter uma idéia de como a moralidade sempre ficou em segundo plano na Assembléia Legislativa, só há dois anos a casa passou a ter uma corregedoria. Em toda a sua história repleta de casos cabeludos, apenas quatro deputados foram cassados, sendo que um conseguiu na Justiça sua reintegração. Não se pode admitir que a vergonhosa ligação entre política e bandidagem continue impune no Rio de Janeiro.

 


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