Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 02, 2008

A inflação, os juros e a água do banho Antonio Corrêa de Lacerda*

O Estado de S. Paulo,


A aceleração da inflação no Brasil tem gerado preocupações exageradas. Há fatores locais, mas o mundo vive uma fase de pressão inflacionária decorrente da incorporação de 200 milhões de novos consumidores ao ano que estimulam a demanda e também a especulação com commodities no mercado financeiro.

A inflação mundial tem crescido. Os dados de 12 meses acumulados até abril, considerando-se os índices de preços ao consumidor, nos EUA são de 4,2%; na região do euro, 3,7%. O Brasil, com 5,6% de inflação, denota um quadro sob relativo controle, comparativamente a outros países. Na América Latina, apenas o México (5%) e o Peru (5,4%) apresentam indicadores um pouco abaixo. A média da região é de 10,6%. O sempre elogiado Chile já tem 8,8% acumulados. A Argentina tem oficialmente 9%, mas há estimativas do mercado de que a inflação real é de cerca de 30%!

Dentre os Brics, o Brasil também é o que apresenta a mais baixa taxa de inflação, seguido por China (7,7%), Índia (7,8%) e Rússia (15,1%).

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é o indicador oficial da inflação no Brasil e o balizador das metas de inflação, definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 4,5% ao ano, podendo variar 2 pontos porcentuais para cima ou para baixo. É esse o parâmetro que o Banco Central leva em conta para conduzir a política monetária, principalmente a taxa básica de juros (Selic), que é revisada nas reuniões periódicas do Comitê de Política Monetária (Copom).

Algumas das virtudes desse modelo, que logo já vai completar dez anos, revelando uma significativa estabilidade, são a transparência e a previsibilidade. O modelo foi criado para contemplar relativa flexibilidade para poder absorver os choques de custos exógenos, aqueles que independem de decisões domésticas. É o caso que vivemos agora com o aumento dos preços do petróleo e dos produtos agrícolas.

Um bom balizador para os juros e as metas de inflação no Brasil são as expectativas do mercado. Uma medição dessas expectativas é o Boletim Semanal Focus, do Banco Central, que ausculta as projeções dos principais indicadores da economia de cerca de cem bancos, consultorias e outras organizações. Embora excessivamente enviesado pela opinião do mercado financeiro, trata-se de um indicador das expectativas médias, até mesmo pelo seu poder de formação de opinião. Na sua mais recente edição, o Focus indica uma expectativa média de inflação de 6% para 2008, 4,8% para 2009 e 4,5% para 2010.

Ou seja, a se confirmar essa projeção, apenas em 2008, por causa das pressões e choques internacionais de custos, superaremos o centro da meta, ainda sem ultrapassar, no entanto, o limite da banda superior de tolerância, cuja função é exatamente dar flexibilidade para acomodar choques localizados de custos.

Medidas clássicas de combate à inflação, como aumento de juros e aumento do superávit primário, já foram tomadas pelo governo brasileiro. Outras poderão ainda vir, mediante necessidade. Mas convém lembrar que demandam tempo para surtir efeito.

Também vale ressaltar que, no médio e no longo prazos, a inflação se combate mesmo com a ampliação da capacidade de oferta da economia. Daí a importância de que o aperto de juros, ou de crédito, se vier, seja o mais curto possível para não contaminar o ambiente para investimentos produtivos.

Portanto não há motivo para alarde. Tampouco para acomodação. É preciso, sim, agir, mas convém que se leve em conta que o quadro continua muito favorável ao Brasil. Dadas as condições macroeconômicas, é possível controlar razoavelmente a inflação, sem gerar custos desnecessários no incipiente crescimento econômico.

O desafio é preservar o controle da inflação, mas "sem jogar a criança junto com a água suja do banho", como diz o ditado popular. Qualquer exagero na adoção de medidas de contenção representará um "tiro no pé" do crescimento e do apetite para a continuidade da elevação do investimento produtivo, única forma de garantir a ampliação da oferta, para além da demanda, a verdadeira forma de se combater a inflação de modo estrutural, e não apenas de modo episódico e reativo.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP,
é doutor em Economia pela Unicamp e co-autor, entre outros livros, de Economia Brasileira (Saraiva). E mail:
aclacerda@pucsp.br

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