Ambiente
O lixão dos mares
Três milhões de toneladas de detritos concentrados
em um ponto do Pacífico sinalizam o impacto devastador
da ação humana sobre os oceanos
Diogo Schelp
Quando a ação predatória da humanidade avança sobre esses nichos de biodiversidade ou depreda os estoques de peixes comerciais, está colocando em risco a cadeia alimentar marinha. Os oceanos são imensos – mas o ritmo da poluição causada pela ação humana é intenso. A Grande Mancha de Lixo, como é chamada a sopa de detritos no Oceano Pacífico, é exemplo do que se pode fazer para estragar o mar. A 2.000 quilômetros do litoral do Havaí, entre o arquipélago e a Califórnia, ela constitui o maior dos depósitos marinhos de lixo. Ali, pedaços de plástico, restos de redes de pesca, roupas, garrafas e uma infinidade de detritos produzidos pelo homem superam em seis vezes o peso total dos zooplânctons, os organismos minúsculos que estão na base da cadeia alimentar marinha. São 3 milhões de toneladas de lixo, uma quantidade que São Paulo leva seis meses para produzir. Depósitos flutuantes de lixo são um fenômeno natural formado pelo movimento circular das correntes marinhas, os chamados giros oceânicos. Já a Grande Mancha de Lixo, que pode ser avistada de avião, é o sinal de degradação ambiental. O impacto nefasto da ação humana sobre os oceanos se dá de várias formas. Aqui estão as mais significativas:
Poluição – A face mais conhecida da sujeira lançada ao mar são os 4,5 milhões de toneladas de petróleo que vazam por ano nos oceanos. Os danos causados pelos resíduos sólidos são igualmente intensos. Cerca de 70% dos sacos plásticos, latas, garrafas e pneus são depositados no fundo do mar. O restante navega pela superfície ou fica preso nos grandes giros oceânicos. Esses lixões são devastadores para a vida marinha. Golfinhos, focas e tartarugas ficam presos em redes de pesca e morrem sufocados. Peixes e pássaros engolem pedaços de plástico e de metal e também perdem a vida. Estima-se que o lixo acumulado nos mares seja o responsável direto pela morte de 1 milhão de aves e mamíferos marinhos por ano. Quase todo esse lixo chega aos oceanos levado pelas águas dos rios ou é arrastado pela maré de praias emporcalhadas. São despejadas 675 toneladas de resíduos sólidos por hora no mar – e 70% desse total é constituído de objetos feitos de plástico. Mesmo quando não há sequer uma garrafa pet à vista à beira-mar, não existe praia limpa: em todo o mundo, entre 5% e 10% da areia litorânea é formada por pellets – bolinhas de meio centímetro de diâmetro que servem de matéria-prima para a indústria de plásticos. Ingeridos por peixes, crustáceos e moluscos, esses pellets afetam a alimentação humana.
Dilapidação dos estoques marinhos – Nos últimos cinqüenta anos, a população mundial dobrou, enquanto o consumo de frutos do mar aumentou cinco vezes. A natureza não está conseguindo repor os estoques pesqueiros. Das 200 espécies de peixe com maior interesse comercial, 120 são exploradas além da capacidade de recuperação das populações. A frota pesqueira mundial é de 4 milhões de barcos, o dobro do recomendável. Se continuar nesse ritmo, a indústria da pesca entrará em colapso em 2050 com o esgotamento do estoque de peixes comercializáveis.
Aquecimento da água – A temperatura média dos oceanos acompanha a tendência da mudança climática global: está mais quente. Um dos efeitos é o aumento das zonas mortas nos oceanos, porções dos mares nas quais a concentração de oxigênio é insuficiente para a manutenção da vida, com a exceção de algumas bactérias. As zonas mortas também são causadas pela decomposição de algas, que proliferam devido aos resíduos orgânicos produzidos pelo homem e despejados no mar. O número de zonas mortas aumentou de três para 150 nas últimas cinco décadas.
Acidificação da água – O mar absorve parte do gás carbônico acumulado na atmosfera. Como a concentração do gás aumentou, em conseqüência da poluição humana, sua absorção pelos oceanos também cresceu, deixando a água mais ácida. A acidez provoca a descalcificação de espécies marinhas como os moluscos e destrói os corais, que, apesar de cobrirem apenas 1% do solo dos oceanos, servem de abrigo para 25% da vida marinha. Como resultado, estima-se que 16% das espécies de coral estejam ameaçadas de extinção.
Não se podem mais ignorar as conseqüências das ações humanas sobre a imensidão dos oceanos.
O desastre saiu barato
Qual a indenização justa a ser paga por um dos maiores desastres ambientais já causados pelo homem? No mês passado, depois de catorze anos de disputa judicial, a Suprema Corte dos Estados Unidos chegou a uma decisão no caso do petroleiro Exxon Valdez. A ExxonMobil, dona do navio, não deve ser multada em mais de 500 milhões de dólares, quantia igual à que já pagou a título de indenização às pessoas afetadas pelo vazamento de petróleo no Alasca, em 1989. Parece muito dinheiro, mas representa apenas 10% do valor estipulado pela primeira sentença, em 1994. Para a maior empresa petrolífera do mundo, isso equivale ao lucro obtido em cinco dias de operação. O desastre do Exxon Valdez é um símbolo ambientalista não apenas pela quantidade de petróleo que vazou no mar ou por ter atingido um santuário de vida natural até então intocado pela mão humana. Pesaram também as evidências da falta de cuidado com que uma empresa petrolífera gigantesca lidava com a questão ambiental. Comandado por um capitão alcoólatra, o navio estava fora das rotas normais de navegação quando encalhou num recife. Os 41 milhões de litros de óleo cru derramados no mar causaram uma devastadora maré negra que invadiu 2 000 quilômetros de praias na costa do Alasca. Uma estimativa aponta a morte imediata de 400 000 aves, 300 focas, 22 baleias orcas e a eliminação de bilhões de ovos de salmão e arenque. A ExxonMobil diz já ter gasto 3,4 bilhões de dólares em indenizações e projetos de recuperação ambiental na região. Estudos indicam que ainda há petróleo na areia das praias e em camadas submersas no oceano. O petróleo está desaparecendo a uma velocidade 80% menor que a esperada inicialmente e ainda afeta peixes, aves, mamíferos e moluscos. |