Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 27, 2008

Augusto Nunes-SETE DIAS



Sete Dias - Só faltava um Daniel Dantas


Até 29 de junho de 1958, os brasileiros ficavam ruborizados, balbuciavam incongruências e baixavam os olhos sempre que algum estrangeiro tocava na chaga mais dolorosa: se jamais vencera a final da Copa do Mundo, o que autorizava o Brasil a apresentar-se com o codinome de País do Futebol? Faltava a Copa, admitiam em silêncio até o pau de escanteio e a marca do pênalti. Depois do triunfo na Suécia, não ficou faltando nada. E a gente da terra se livrou do que Nelson Rodrigues havia batizado de complexo de vira-lata.

Até 8 de julho de 2008, os brasileiros gaguejavam feito ladrão pilhado em flagrante quando um gringo cutucava a fratura exposta: se o Brasil não tinha um legítimo escroque internacional, o que o autorizava a considerar-se um paraíso da corrupção?

Faltava o escroque internacional, envergonha-se até o guarda da esquina. Depois da atualização do prontuário de Daniel Dantas, não falta mais nada. O país está pronto para buscar a taça também nos campos da bandidagem de fina linhagem. Ninguém mais precisa evocar meliantes que, apesar do fichário notável, não estão qualificados para o posto assumido por Dantas neste crepúsculo outono.

"Temos o Naji Nahas", balbuciaram milhares de defensores da pátria nos últimos 20 anos. "Esse não vale, já veio pronto", retrucavam os adversários. Todos reconheciam que Naji é um genuíno escroque internacional, e que protagonizara jogadas antológicas nos pântanos do Brasil. Mas já era um cracaço quando chegou. Não é coisa nossa.

Um escroque internacional de primeira linha aprende a pecar antes de aprender a falar, e assim aconteceu com o libanês Naji Nahas. Mal completara uma semana no berçário quando começou a comprar na baixa a fralda do bebê já de saída para vendê-la pelo triplo do preço ao recém-chegado. Já campeão do Líbano, foi brilhar na Europa.

Titular desde o século passado do dream team mundial da modalidade, Naji acaba de saber que perdeu a vaga para o cracaço Dantas, primeiro escroque internacional inteiramente fabricado no Brasil. E coisa nossa, o que não é pouca coisa. Agem no mundo milhões de criminosos. Não passam de mil os sócios do clube em que Dantas entrou.

Ali só entram figuras que, embora evitem violências físicas, são freqüentemente mais assustadoras que serial killer americano. Passam o dia cometendo crimes ou planejando os próximos. Preferem lucrar pouco com um negócio ilegal a ganhar bilhões honestamente. Enganam sócios e parceiros enquanto golpeiam adversários. Não gostam de publicidade, não casam com a Miss Brasil quase balzaqueana, evitam a imprensa, não aparecem em colunas sociais. Nunca desperdiçam dinheiro, porque não é a necessidade de bancar gastanças que os leva a pecar. Um escroque internacional só faz negócios bandidos por vício.

Dantas atende a todos os pré-requisitos exigidos dos candidatos a esse clube de eleitos. Manda em tudo, mas oficialmente não é dono de nada. Planeja todo o tempo, mas os outros é que fazem. Fala mais de um idioma. É investigado em mais de um país. Não muda de ramo quando muda o governo. Trapaceou na Era FH como trapaceia na Era Lula. Oferece suborno a policiais, aluga figurões nos Três Poderes, arrenda amigos do presidente da vez. Nunca fica preso mais de dois dias. Se preciso, consegue um habeas corpus do STF. Ou dois.

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