Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 29, 2008

A cartada do Brasil EDITORIAL Folha de S. Paulo





29/7/2008

Itamaraty acerta ao distanciar-se de parceiros tradicionais na tentativa de salvar a liberalização do comércio agrícola

COM A crise dos alimentos à porta, parece que emergiu o desejo político de concluir a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Um acordo, ainda que modesto em relação à expectativa inicial, evitaria o enfraquecimento maior do sistema multilateral de comércio.
As negociações em Genebra estão concentradas em uma nova proposta de liberalização da agricultura e da indústria apresentada na sexta. Na esfera agrícola, os Estados Unidos aceitam reduzir em 70% seus subsídios, limitando-os a US$ 14,5 bilhões ao ano. A União Européia compromete-se com um corte de 80%, restringindo-os a 24 bilhões por ano.
Em escala mundial, as tarifas agrícolas mais altas seriam reduzidas em 70%. Apenas produtos designados como "sensíveis" poderiam ter alíquota acima de 100%. A proposta de sexta permite que países desenvolvidos classifiquem como sensíveis até 4% dos produtos. Em contrapartida devem aumentar suas cotas de importação nos mesmos 4%. Países em desenvolvimento podem classificar como especiais até 12% dos produtos.
No âmbito industrial, os países desenvolvidos limitariam suas tarifas a 8%. Países em desenvolvimento teriam três opções de escolha. No caso dos emergentes, como o Brasil, a contrapartida seria participar de pelo menos dois acordos setoriais de liberalização industrial.
Em razão de ser um dos principais beneficiários de uma abertura agrícola, o Brasil decidiu afastar-se de parceiros tradicionais e apoiar a proposta, unindo-se a EUA, União Européia e Japão. A cartada reabriu a possibilidade de concluir negociações que já duram sete anos. Trata-se, agora, de convencer os demais.
A Índia resiste diante de sua gigantesca população rural: quase 800 milhões de indianos ainda vivem no campo. Nova Déli teme que o aumento abrupto das importações acelere o êxodo rural e amplie a miséria urbana. A China, por sua vez, exige que os acordos setoriais para reduções tarifárias na indústria sejam apenas voluntários. A Argentina requer mais proteção para sua indústria nos cortes tarifários para o Mercosul já aceitos por Brasil, Uruguai e Paraguai.
Ao distanciar-se momentaneamente de Índia, China e Argentina, o Itamaraty entendeu, a tempo de tentar salvar Doha, que o jogo de negociações comerciais não pode ser travado com base na rigidez de esquemas geopolíticos ultrapassados. Quando estão em conflito vários interesses econômicos distintos, o que importa para as alianças é o raciocínio tático, que nem sempre antepõe ricos a pobres.

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