Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 29, 2008

Míriam Leitão - Déficit diferente



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
29/7/2008

Só os muito jovens podem olhar com indiferença um déficit crescente no balanço de transações correntes. Afinal, foi esse o número que derrubou o Brasil em 1983, 1987, 1999 e 2002. Os mais velhos se lembram de colapsos cambiais, disparadas do dólar, calotes, tudo por causa desse indicador. Mas, olhando por dentro do número, dá para ver que o déficit de agora é diferente daqueles que passaram.

Vamos às diferenças para acalmar quem já viu as crises passadas.

- Desta vez, o déficit não vem de juros; vem de lucros - explica Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central.

Essa primeira diferença faz toda a diferença. Significa que o Brasil antes tinha déficit porque pagava uma montanha de juros da dívida externa. Hoje, com uma dívida pequena, reservas de US$202 bilhões, o país é credor líquido, e a conta de juros é pequena. Por outro lado, a economia está bem, crescendo, e as empresas tendo lucro. Têm lucro aqui, e prejuízo em suas matrizes. Estamos, por assim dizer, salvando a pátria deles. As remessas de lucros são para cobrir prejuízos lá.

- Os setores que representam quase 50% das remessas de lucros são automobilístico, financeiro e metalúrgico. Principalmente os dois primeiros estão tendo grandes prejuízos nas suas matrizes - comenta Altamir.

Tudo bem, dá para entender, mas o melhor seria que eles reinvestissem aqui mesmo. A segunda diferença é o percentual do PIB. Um déficit, num semestre, de US$17 bilhões é enorme, porém hoje esse número representa 1,3% do PIB. Em 1983, o déficit que nos vergou era de 6% do PIB; em 1999, era de 4,6%; em 2001, foi para 4,5% do PIB. E, em todos esses momentos, nós tínhamos reservas mínimas. Veja só como tudo é relativo: em 2001, o Brasil teve US$23 bilhões de déficit no ano inteiro; este ano, vamos ter, no mínimo, US$23 bilhões. Só que aquele era 4,5% do PIB; agora não chega a 1,5%.

Em outras crises, o déficit em transações correntes ocorria com déficit na balança comercial; ou saldos pequenos. Agora, o país tem superávit de US$30 bilhões. É verdade que caiu US$9 bilhões em seis meses. Contudo o volume de comércio está crescendo.

- As exportações cresceram 24%, e as importações, 51%. O volume de comércio está aumentando muito - diz Altamir, lembrando também a diferença do investimento direto estrangeiro, que tem crescido. A previsão é que, no ano, o investimento no setor produtivo do país vindo de fora chegue a US$35 bilhões.

Feitas todas as ressalvas, é preciso ponderar que é necessário ficar de olho neste déficit crescente. Por vários motivos, o câmbio real caiu tanto que, descontando-se a inflação no período (brasileira e americana), o Brasil está agora com o mesmo câmbio de janeiro de 1995, pelas contas da RC Consultores, feitas a pedido da coluna. Ou seja, voltou à era Gustavo Franco. Está nos mesmos níveis de 95 e 97, quando o câmbio era controlado. O normal seria que o dólar estivesse se valorizando, dado o aumento do déficit em transações correntes; no entanto continua fraquíssima a moeda americana.

Visitando a história também, os dados do Banco Central mostram que o Brasil, na maior parte do tempo, tem déficit nessa conta. Mas os maiores rombos, de fato, coincidem com as nossas crises. E mais: o ritmo do aumento do déficit surpreendeu. Na compilação feita pelo Bradesco das previsões do Focus, está registrado que o mercado previa, no começo do ano, um déficit de US$4 bilhões em 2008. Agora está prevendo US$24 bilhões.

Em suma: o déficit como proporção do PIB não é grande, o Brasil tem reservas altas, o investimento direto está entrando, porém o déficit em transações correntes cresceu mais rapidamente do que se imaginava. Gato escaldado tem medo até de déficit financiável. Por isso, todo cuidado é ficar de olho neste número.

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