Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 30, 2008

Celso Ming - Também não foi desta vez




O Estado de S. Paulo
30/7/2008

Se apontar culpados resolvesse, haveria um punhado deles.

Agora é tentar entender por que a Rodada Doha naufragou mais uma vez, depois de sete anos de vaivéns e de uma maratona de nove dias de exaustivas negociações em Genebra.

O impasse não foi ultrapassado nem sequer no primeiro estágio, ou seja, nas negociações entre as sete maiores potências comerciais: Estados Unidos, União Européia, Japão, Austrália, Brasil, China e Índia.

Vistas as coisas pelo retrovisor, verificou-se que o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, acabou tendo certa dose de razão. Dia 24, em entrevista ao Estado, disse que as negociações não serviriam para nada e que o maior consumo mundial de alimentos acabará servindo mais para abrir o mercado global para os produtos agrícolas do Brasil do que a lengalenga de Doha.

No entanto, Stephanes errou em dois pontos. Errou ao apostar no fracasso e, assim, ao desautorizar o negociador brasileiro, o chanceler Celso Amorim, que apostava as fichas num desfecho favorável. E errou ao desconsiderar que, apesar de tudo, o acordo multilateral é o caminho mais rápido para a abertura dos mercados também para o produto industrial brasileiro.

Se forem fechadas as portas para um acordo multilateral, ficará inevitável a multiplicação da barafunda dos acordos bilaterais, que estreitam ainda mais o mercado para quem fica de fora.

Apesar de tudo, é prematuro proclamar o colapso definitivo. A Rodada ainda não foi totalmente encerrada e as discussões sempre poderão ser reabertas tão logo se criem novas condições políticas. Situações assim, em geral, só melhoram depois que piorarem ainda mais. E podem piorar.

O mundo está mais protecionista e esta é a principal razão pela qual ficou tudo emperrado. Os dois principais candidatos à presidência dos Estados Unidos estão comprometidos com os grandes interesses agrícolas e os dirigentes europeus, especialmente os da França, não dizem outra coisa. China e Índia, por sua vez, ainda não sentem que têm autonomia de vôo e jogaram pesado em mais proteção comercial.

Como todos procuravam um acordo, com a interrupção das negociações perderam todos. O mundo enfrenta séria crise financeira de desfecho imprevisível. Como venceu o lado do cada um por si, as incertezas aumentaram e parece mais difícil uma ação coordenada capaz de pavimentar a saída desse atoleiro.

Do ponto de vista estritamente comercial, é difícil saber quem vai perder mais. O dólar ganhou muito com o processo de globalização, cuja peça fundamental é a liberação do comércio, e isso parece apontar para o maior perdedor. A falta de maior acesso dos produtos industrializados aos mercados emergentes também tende a estreitar a perspectiva comercial dos países ricos.

A indústria brasileira enfrentará o estreitamento protecionista do mercado externo. É possível que Stephanes tenha um pedaço de razão quando prevê o crescimento da demanda para os produtos agrícolas nacionais. Mas essa posição pode ter deixado de levar em conta que os maiores mercados emergentes (China e Índia) também prenunciaram aumento da proteção a seu próprio produto agrícola.

É juntar os cacos e esperar para ver.


Entenda

Quebrar a retranca - Essas negociações são necessárias porque os 153 países membros da Organização Mundial do Comércio querem abertura dos mercados para seu produto e fechamento (proteção) do próprio mercado para o dos outros.

A atual Rodada leva o nome da capital do Catar, Doha, onde tudo começou. Se tivesse sucesso, os ganhos em faturamento no comércio não chegariam a US$ 100 bilhões anuais, menos de 0,1% do comércio mundial e metade das exportações brasileiras em um ano.

Parece pouco, mas seria um bom começo. Abriria as portas para concessões futuras.

Arquivo do blog