O Globo |
25/7/2008 |
Pessoas minimamente sensatas há muito tempo consideram idiota a polêmica sobre qual seria o inimigo público número um: a turma do tráfico ou um pessoal das milícias? É verdade que o traficante abastece um mercado maldito com efeitos daninhos em toda a cidade. E a milícia age apenas nos limites das comunidades pobres. Mas, do ponto de vista do favelado, não há grande diferença: milícia e tráfico são opressores cruéis. No Rio, 50 anos atrás, a maior praga nas favelas era a dos candidatos que prometiam bicas d"água em troca de votos. Levavam e não pagavam. Quando o tráfico assumiu o poder nas comunidades, o prestígio dos políticos começou a murchar, e praticamente desapareceu em anos recentes. Principalmente depois que o comando das quadrilhas passou para as mãos de uma nova geração - traficantes jovens, que se drogam até a morte e sequer tentam alimentar a fantasia de que são protetores da comunidade. Os candidatos, coitados, ficaram sem interlocutores confiáveis. A ascensão das milícias mudou esse quadro: com elas, pode-se fazer negócio. Pouco importa que também ajam na ilegalidade e controlem as comunidades com a mesma violência, embora menos ostensiva. O casamento entre milicianos e políticos foi exposto esta semana no episódio da prisão de Natalino Guimarães. Ele foi preso no quartel-general de uma milícia em Campo Grande, depois de tiroteio entre polícias e seus guarda-costas. Vai responder por um rosário de crimes: tentativa de homicídio, porte de armas proibidas, formação de quadrilha etc. Natalino é mais do que aliado de políticos: trata-se de um deputado estadual, eleito pelo DEM. O partido correu para anunciar que já estava tratando de sua expulsão. O pessoal demorou um pouco para descobrir que o moço não é exatamente o Marco Maciel da Baixada, mas acabou fazendo a coisa certa. Esta semana, a Assembléia Legislativa aprovou o óbvio: uma CPI sobre as milícias, proposta pelo PSOL. Para honra da casa, a aprovação foi por aclamação. Mas é preciso tomar nota; um deputado do PMDB, Domingos Brazão, criticou a CPI porque "as milícias são melhores que o tráfico". E Flávio Bolsonaro, do PP, declarou a medida demagógica, porque o verdadeiro problema está nos baixos salários dos policiais e na falta de uma política habitacional. São generalidades que não disfarçam a realidade. Um levantamento de dois anos atrás mostrou a participação de cerca de 180 policiais nas milícias. Oficiais da PM, inclusive: um tenente-coronel, um major, três capitães e cinco tenentes. Todos por serem mal pagos? E hoje a situação está obviamente mais grave. A população das favelas dominadas pelo poder paralelo continua tão oprimida quanto antes. As milícias vendem proteção, controlam as redes clandestinas de TV (chamadas de "TV a gato"), fazem agiotagem e acabam com qualquer tentativa de oposição com a mesma violência dos traficantes. Como prova a carreira do deputado preso outro dia, os novos donos das favelas têm ostensivo e crescente poder político na cidade e no estado. A CPI do Natalino, se conduzida com agilidade e espírito público - por que não? - pode ajudar os cariocas a derrotar, nas eleições deste ano, os aliados dos bandidos disfarçados de líderes comunitários de favelados. |
Entrevista:O Estado inteligente
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