NOVA YORK. O mundo solidário que o candidato democrata Barack Obama profetizou poeticamente no seu já histórico discurso em Berlim não é uma realidade palpável, embora seja difícil se opor a ele.
Apesar do sucesso de audiência, e a conseqüente exposição midiática que o showmício de Berlim lhe proporcionou, o candidato democrata está recebendo mais críticas do que seria de se esperar, aqui e no exterior, não apenas pelo conteúdo do pronunciamento, que teria sido histórico simbolicamente, e não em substância, mas, sobretudo, pela imagem de presunção que deixou em seu rastro. A retórica do candidato que melhor encarna uma visão multilateral do mundo pode não ajudar Obama internamente, mas pode também não passar disso, uma retórica que impressiona as multidões, especialmente os jovens, mas que não se traduzirá em mudanças concretas na política externa, mas apenas cosméticas.
O professor de História da Universidade de Nova York, Tony Judt, autor do best-seller “Pós-Guerra”, recentemente lançado no Brasil, por exemplo, falando à coluna, diz que Obama pode decepcionar os estrangeiros que esperam mudança radical na política externa dos Estados Unidos: “Ele é percebido nos Estados Unidos como fraco em política externa e temas militares, e vai querer mostrar-se capaz de firmeza e de olhar para os interesses americanos em primeiro lugar”.
Embora considere que Obama “certamente entende o mundo contemporâneo melhor do que McCain”, Judt diz que “na presente situação econômica, concessões generosas para fortalecer estados estrangeiros competidores teriam consideráveis resistências dentro de casa”.
Passados os momentos de maior emoção, e retirada da cena política a honra patriótica de ver-se o mundo aos pés de um americano, já é possível analisar-se a fala de Obama sob dois aspectos: o da apresentação pessoal e o da representação oficial de um provável futuro presidente dos Estados Unidos.
No pessoal, o que ficou registrado para setores conservadores foi a soberba do candidato, que teria sido demonstrada em pelo menos dois momentos do discurso. Primeiro, ao abrir a apresentação, Obama fez um gracejo, dizendo que sabia que ele era diferente dos políticos americanos que ali estiveram, referindo-se indiretamente a sua cor. Parece claro que estava se referindo ao democrata John Kennedy, ou até mesmo ao republicano Ronald Reagan, ex-presidentes que fizeram discursos históricos em Berlim.
Mas, além disso, houve quem se lembrasse que tanto Colin Powell quanto Condoleezza Rice, dois negros, como secretários de Estado do governo americano, rodaram o mundo com posição política de destaque e, portanto, não era o caso de Obama destacar essa sua “diferença”, muito menos ele, que diz não querer fazer da cor um motivo de campanha.
São situações distintas, claro, Obama é o primeiro negro candidato a presidente da República com chances reais de vitória, e poucos, muito menos Powell ou Rice, levariam centenas de milhares de pessoas às ruas de Berlim, a não ser que fosse para protestar contra a guerra do Iraque, como aconteceu em diversas ocasiões.
Mas o registro desse pequeno sinal de soberba ficou.
John F. Cullinan, da National Review, uma publicação conservadora, anotou também uma espécie de plágio no discurso de Obama, quando ele diz: “Agora, o mundo vai ver e lembrar o que fazemos aqui, o que nós fazemos deste momento”.
A frase é semelhante a outra, dita por Abrahan Lincoln no Cemitério de Gettysburg, em homenagem aos mortos da Guerra Civil: “O mundo vai notar pouco, ou não vai se lembrar por muito tempo, o que nós dissemos aqui, mas não poderá nunca esquecer o que eles, os mortos honoráveis, fizeram aqui”.
Mas Cullinan não deixou de destacar o tom auto-elogiativo de Obama, em contraste com a modéstia de Lincoln. Os conservadores destacaram também a exortação de Obama a que um “estado de espírito” da Guerra Fria fosse abandonado, como coisa do passado, com críticas a uma posição que seria ingênua do candidato democrata diante das constantes mensagens ameaçadoras que estariam sendo enviadas pela Rússia, tanto em relação à energia quanto ao rearmamento militar.
Também não passou despercebido o fato de que o apelo de Obama para que os países europeus despendam mais recursos e homens para ajudar a combater o terrorismo, especialmente no Afeganistão, será vão, pois diversos países europeus continuam com forte oposição popular à guerra comandada pelos EUA.
Para o professor Tony Judt, “a Europa não tem posição unificada em política externa nas questões críticas como guerra do Iraque, Oriente Médio, Rússia, Turquia, e essa é sua mais importante, e talvez incapacitante, fraqueza”.
O aspecto messiânico da atuação do candidato democrata é o que mais incomoda a parte do público — e da mídia — que não aderiu à Obamamania.
Ao mesmo tempo, é difícil acreditar que Obama seja ingênuo a ponto de imaginar um mundo perfeito onde as barreiras de preconceitos serão derrubadas, e todos trabalharão em conjunto.
Ele mesmo deixou claro, em entrevista a uma televisão americana, que sua exortação a que os europeus participem mais ativamente no combate ao terrorismo mundial, enviando tropas para o Afeganistão, teria um resultado colateral positivo para os Estados Unidos, que precisariam enviar menos soldados para a guerra. Com o dinheiro poupado, seria possível investir mais internamente para contornar a crise econômica e aumentar a oferta de empregos.
Essa explicação pode até soar bem aos ouvidos dos eleitores americanos, mas não fará o menor sucesso entre os europeus, mesmo entre os obamamaníacos.
Continua amanhã
Entrevista:O Estado inteligente
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