A nova administração do Ipea faz história, no mau sentido. Demitiu economistas que não professavam suas idéias e suspendeu as projeções de indicadores macroeconômicos. Alegou que poderiam servir para especulação no mercado financeiro e piorar as expectativas de inflação.
Especulações nocivas costumam ocorrer em mercados pobres de informação. Ao deixar de fornecer dados valorizados pelos analistas (era o caso das projeções trimestrais do PIB), o Ipea empobreceu o ambiente. Imaginar que as expectativas piorariam foi no mínimo um exagero.
Agora, aproveitando um estudo que constata o caráter extremamente regressivo da carga tributária (outros já o tinham feito), o presidente do Instituto defende uma saída inacreditável: aumentar a tributação via Imposto de Renda, ou seja, "cobrar mais dos ricos", uma envelhecida proposta ideológica.
Para ele, o aumento da regressividade teria decorrido da redução do IR de pessoas físicas na reforma de 1987, que reduziu o número de alíquotas, de onze para apenas duas: 25% e 10%. A máxima era de 45%, mas houvera uma de 55%. Essas alíquotas foram elevadas para 15% e 27,5%, de forma "temporária", como parte do ajuste fiscal para reagir à crise da Rússia, de 1988.
A base da reforma foi um amplo estudo da Secretaria da Receita Federal. A redução do número e dos valores de alíquotas constituía uma tendência em todo o mundo, iniciada com as mudanças do governo Ronald Reagan, nos Estados Unidos.
Os excessos eram evidentes. Houve alíquota máxima de 90%, o que desestimulava o esforço individual e incentivava a sonegação. Estudos mostravam que era melhor reduzir a desigualdade via gastos sociais (como viria a ocorrer com o Bolsa-Família no Brasil) do que pela tributação progressiva. Daí por que os países ex-comunistas do Leste Europeu adotaram o flat tax (tributo com alíquota única e relativamente baixa).
Para a Receita, a reforma diminuiria a propensão a sonegar. Os profissionais liberais prefeririam pagar um imposto menor a correr os riscos da evasão ilegítima. Tese correta: a arrecadação real do IR em 1988 cresceu mais de 20%. Tentativas de criar uma alíquota de 35% foram frustradas diante do risco de queda da receita.
O aumento da regressividade não decorreu da menor tributação do IR. Em 1987, o imposto gerava pouco mais de 3% do PIB. Atualmente, beira os 6% do PIB, fruto do aumento de renda e da redução da sonegação. Cresceu nas pessoas físicas e jurídicas.
A piora da regressividade é efeito da elevação de despesas da Constituição de 1988 e dos aumentos reais posteriores do salário mínimo. Os gastos previdenciários passaram de 4% para 13% do PIB, de longe a maior causa do incremento da carga tributária, de 22% para 36% do PIB.
Um país de renda média como o Brasil dificilmente pode ter essa carga tributária sem gerar enormes distorções econômicas e sociais. Nenhum país emergente chega a arrecadar 25% do PIB, eis que a renda da maioria de sua população é inferior ao limite de isenção do IR. Relativamente poucos têm patrimônio tributável. Nos países riscos, os tributos diretos (renda e patrimônio) constituem a parcela maior da carga.
Para atender às despesas criadas por nossos constituintes, foi preciso recorrer crescentemente a tributos indiretos sobre o consumo, cujas alíquotas foram elevadas nas três esferas de governo. Nesse caso, como se sabe há muitos anos, os pobres são penalizados. Por exemplo, o ICMS sobre o feijãozinho abocanha uma parcela proporcionalmente maior da renda deles do que dos ricos.
Uma saída seria isentar de impostos a cesta alimentar dos pobres, mas isso poderia desequilibrar adicionalmente as finanças públicas, particularmente dos Estados, embora alguns deles o façam caso a caso, nos limites de suas possibilidades financeiras.
A melhor solução seria promover reformas estruturais que permitissem a redução das despesas e a correspondente queda da arrecadação de tributos indiretos. Há outras, igualmente difíceis, como a melhoria das prioridades e da qualidade dos gastos em educação.
A proposta do presidente do Ipea, que significaria aumentar a tributação da classe média, pioraria a situação. Tudo indica que haveria queda de arrecadação do IR, o que poderia levar o governo a aumentar os tributos indiretos. Seria um tiro pela culatra: econômico, social e político. Pode?
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)
Especulações nocivas costumam ocorrer em mercados pobres de informação. Ao deixar de fornecer dados valorizados pelos analistas (era o caso das projeções trimestrais do PIB), o Ipea empobreceu o ambiente. Imaginar que as expectativas piorariam foi no mínimo um exagero.
Agora, aproveitando um estudo que constata o caráter extremamente regressivo da carga tributária (outros já o tinham feito), o presidente do Instituto defende uma saída inacreditável: aumentar a tributação via Imposto de Renda, ou seja, "cobrar mais dos ricos", uma envelhecida proposta ideológica.
Para ele, o aumento da regressividade teria decorrido da redução do IR de pessoas físicas na reforma de 1987, que reduziu o número de alíquotas, de onze para apenas duas: 25% e 10%. A máxima era de 45%, mas houvera uma de 55%. Essas alíquotas foram elevadas para 15% e 27,5%, de forma "temporária", como parte do ajuste fiscal para reagir à crise da Rússia, de 1988.
A base da reforma foi um amplo estudo da Secretaria da Receita Federal. A redução do número e dos valores de alíquotas constituía uma tendência em todo o mundo, iniciada com as mudanças do governo Ronald Reagan, nos Estados Unidos.
Os excessos eram evidentes. Houve alíquota máxima de 90%, o que desestimulava o esforço individual e incentivava a sonegação. Estudos mostravam que era melhor reduzir a desigualdade via gastos sociais (como viria a ocorrer com o Bolsa-Família no Brasil) do que pela tributação progressiva. Daí por que os países ex-comunistas do Leste Europeu adotaram o flat tax (tributo com alíquota única e relativamente baixa).
Para a Receita, a reforma diminuiria a propensão a sonegar. Os profissionais liberais prefeririam pagar um imposto menor a correr os riscos da evasão ilegítima. Tese correta: a arrecadação real do IR em 1988 cresceu mais de 20%. Tentativas de criar uma alíquota de 35% foram frustradas diante do risco de queda da receita.
O aumento da regressividade não decorreu da menor tributação do IR. Em 1987, o imposto gerava pouco mais de 3% do PIB. Atualmente, beira os 6% do PIB, fruto do aumento de renda e da redução da sonegação. Cresceu nas pessoas físicas e jurídicas.
A piora da regressividade é efeito da elevação de despesas da Constituição de 1988 e dos aumentos reais posteriores do salário mínimo. Os gastos previdenciários passaram de 4% para 13% do PIB, de longe a maior causa do incremento da carga tributária, de 22% para 36% do PIB.
Um país de renda média como o Brasil dificilmente pode ter essa carga tributária sem gerar enormes distorções econômicas e sociais. Nenhum país emergente chega a arrecadar 25% do PIB, eis que a renda da maioria de sua população é inferior ao limite de isenção do IR. Relativamente poucos têm patrimônio tributável. Nos países riscos, os tributos diretos (renda e patrimônio) constituem a parcela maior da carga.
Para atender às despesas criadas por nossos constituintes, foi preciso recorrer crescentemente a tributos indiretos sobre o consumo, cujas alíquotas foram elevadas nas três esferas de governo. Nesse caso, como se sabe há muitos anos, os pobres são penalizados. Por exemplo, o ICMS sobre o feijãozinho abocanha uma parcela proporcionalmente maior da renda deles do que dos ricos.
Uma saída seria isentar de impostos a cesta alimentar dos pobres, mas isso poderia desequilibrar adicionalmente as finanças públicas, particularmente dos Estados, embora alguns deles o façam caso a caso, nos limites de suas possibilidades financeiras.
A melhor solução seria promover reformas estruturais que permitissem a redução das despesas e a correspondente queda da arrecadação de tributos indiretos. Há outras, igualmente difíceis, como a melhoria das prioridades e da qualidade dos gastos em educação.
A proposta do presidente do Ipea, que significaria aumentar a tributação da classe média, pioraria a situação. Tudo indica que haveria queda de arrecadação do IR, o que poderia levar o governo a aumentar os tributos indiretos. Seria um tiro pela culatra: econômico, social e político. Pode?
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)