O que está em jogo
A redução de subsídios e de tarifas pode aumentar
as exportações agropecuárias do Brasil em 15 bilhões
de dólares, quase 10% das vendas externas
Ronaldo França
Denis Balibouse/Reuters |
NA MESA DE NEGOCIAÇÃO O ministro Celso Amorim: menos subsídios e regras mais claras |
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O comércio entre as nações é hoje a maior fonte de prosperidade mundial. Para que ele funcione bem, é preciso que seus caminhos estejam livres. Não é o que acontece. São muitas as barreiras que atrapalham a circulação de bens, e entre elas os subsídios são o exemplo clássico. Eles são a ajuda financeira aos produtores na forma de garantia de preços mínimos. Em tese, há uma justificativa aceitável. Principalmente no caso da agricultura, sujeita a intempéries e a uma variação frenética de preços. O problema ocorre quando esse mecanismo passa a ser usado como meio de proteção para atender tão-somente aos lobbies de grupos econômicos, transformando-se em armas desleais no comércio internacional. É isso que vem incomodando os países emergentes. Eliminar as distorções é a principal discussão que o Brasil tem hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC). A Rodada Doha foi criada em 2001, no Catar, para buscar a liberalização do comércio.
Neste momento, os altos preços das commodities agrícolas tornam desnecessário o uso pesado de subsídios pelos países ricos. Mas isso não tira a importância da discussão. O que se está negociando é um mecanismo que imponha um limite no futuro. Uma espécie de seguro para que os subsídios não voltem a ser usados em escala descomunal. Não se pretende bani-los, mas tornar sua aplicação limitada ao que é justo. Alguns exemplos do passado(relacionados no quadro) demonstram quanto isso é necessário. Estabelecer as regras do jogo nessa negociação é vital, e não por acaso foi o tema da reunião dos 153 países-membros da OMC nesta semana, em Genebra, na Suíça. Para o Brasil, trata-se de uma questão central. Um estudo do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas concluiu que, caso os países presentes na reunião da OMC promovam uma abertura moderada e gradual, mas irrestrita em seus mercados, o Brasil acrescerá 15 bilhões de dólares às suas exportações agropecuárias, o que representa quase 10% do total.
As negociações da reta final da Rodada Doha envolvem interesses poderosos tanto para os países em desenvolvimento – que querem aumentar suas exportações de produtos agrícolas – quanto para as nações desenvolvidas, que cobram mais acesso ao mercado de produtos industriais dos emergentes. É isso que torna a discussão tão complexa, além do fato de que o arsenal de instrumentos criados para proteger mercados ou incentivar produtores é vasto. O rol inclui tarifas à importação (algumas chegam a 900% do preço dos produtos), subsídios (domésticos, dados diretamente aos produtores, ou à exportação), cotas de importação, medidas sanitárias e até expedientes inacreditáveis, como o uso intencional da morosidade na aplicação de medidas sanitárias.
Não é possível dizer que um ou outro instrumento de proteção seja pior. Mas os subsídios têm um efeito mais perverso, porque podem ser disfarçados. Eles criam distorções de mercado que tornam impossível saber o real valor do prejuízo de quem deixa de exportar. Ao subsidiarem seus produtores (que ganham um valor fixo independente das variações de mercado), os países ricos promovem uma queda artificial nos preços. Isso afugenta muitos dos que poderiam competir no âmbito internacional. Recentemente, o Brasil provou a ilegalidade da ajuda que os EUA davam a seus produtores de algodão. O país venceu a contenda, mas ainda não levou. Os EUA resistem a aceitar as sanções.
Diante de tantas dificuldades, há quem desacredite a importância da OMC. Na semana passada, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, discordaram publicamente. Stephanes declarou que Doha não tem maior importância, porque tudo se resolverá independentemente das tratativas ali. Trata-se de uma posição equivocada. A Rodada Doha já teve o grande mérito de chamar a atenção do mundo para as distorções que existem no comércio internacional. Ao jogar luz sobre os prejuízos provocados pelos subsídios agrícolas, tornou mais visível a atuação dos lobbies que buscam manter elevadas as tarifas e os subsídios, sejam eles justos ou não. Também deixou clara a intransigência de alguns países emergentes, como a Índia, para negociar o acesso de produtos industriais a seu mercado. O mundo só tem a ganhar com essa constatação de que não há bandidos nem mocinhos nessa história.