E mais duro é pensar que quando uma dessas crianças nos pede um trocado, a gente passa direto, sem nem olhar |
AQUI BEM perto de casa, num lugar onde eu passo toda hora, tem um vendedor ambulante com um tabuleiro, onde são vendidos todo o tipo de docinhos.
Tem brigadeiro, de ovos caramelados, outros com nozes picadinhas em cima, enfim, todos aqueles de aniversário de gente rica -e são uma delícia. Sabe quanto custa cada um? Um real. Aí, eu fico pensando: tem a mulher que faz os doces, e o material: os ovos, o açúcar, o chocolate granulado, as nozes, e ainda o papelzinho de celofane em volta de cada um. Um filho ou um amigo sai provavelmente lá do subúrbio, toma um trem, depois um ônibus, paga as passagens, monta sua mercadoria na Visconde de Pirajá e lá fica o dia inteiro, vendendo seus docinhos.
Mas este vendedor tem que almoçar, tem que ir ao banheiro; como é que ele faz? E se não vender todos, volta para casa com o que sobrou? E se vender, quanto deve ganhar em cada um? Um nada, claro; a R$ 1 cada um, o lucro não pode ser muito alto, até porque a quantidade de docinhos não é tão grande assim.
Como é que eles fazem? Como é que fazem as pessoas muito pobres? Fui comprar outro dia um colírio na farmácia e paguei R$ 25. Gente pobre também tem conjuntivite, dor na coluna, tosse, resfriado. Se uma criança cai, tem que botar mercúrio cromo, Band-aid.
O lucro dos docinhos não deve dar para essas mínimas coisas que precisamos comprar a toda hora e nem estou falando de comida.
Aquela sandalinha de borracha que se usa para ir para a praia não chega a ficar gasta e já damos para a empregada. A deles já está fininha, de tanto ser usada. E quando faz frio? E quando a criança cresce e a camiseta não serve mais? E o olhar dessas crianças desejando um brinquedo, o mais modesto deles, e não podendo ter? É duro pensar nessas coisas.
E mais duro ainda é pensar que quando uma dessas crianças nos pede um trocado, a gente passa direto, sem nem olhar, tantas elas são, até para não ter que abrir a bolsa, tirar a carteira e dar R$ 5 que não nos fariam a menor falta. É duro pensar nas coisas que a gente deixa de fazer por negligência, preguiça, e nas quais não pensamos nem tomamos o menor conhecimento, sobretudo pelo hábito de ver isso acontecer o tempo todo, em cada esquina.
É duro, pensar que somos assim.
E quando a empregada nos pede um dinheiro adiantado, R$ 50, R$ 100, e que no fim do mês temos a coragem de descontar, "para que elas não abusem", R$ 100 que se gasta comendo um sushi ou comprando uma sombra de olhos e um batom, não dá vergonha? Por coisas como essas e muitas mais, por mais que nossa vida esteja correndo bem, tem algo lá dentro que aperta o coração, que não se identifica, que não se sabe o que é, mas que nos impede de ser totalmente felizes -a não ser que se seja um Daniel Dantas ou um Naji Nahas.
Qual será o lucro da mulher que faz os docinhos? E o dos ambulantes que vendem panos de prato na porta dos supermercados, do pipoqueiro na porta do cinema, do homem que vende coco na praia? Quanto será que eles conseguem ganhar por mês para sustentar mulher e dois filhos? Sabe o que eu acho? Que são uns heróis.
E nós, francamente, nem sei o que somos.
danuza.leao@uol.com.br