Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 21, 2008

Corrupção Agenda de empreiteiro revela pagamento de propina

A lista de Zuleido Veras

Agenda do empreiteiro sugere pagamento de
propinas a políticos, doações clandestinas a
campanhas eleitorais e trânsito livre no poder


Expedito Filho

AJUDAS ELEITORAIS
Em 14 de julho de 2006, a agenda de Zuleido registra lista de supostos beneficiários de suas doações eleitorais. Segundo a Polícia Federal, a lista é vasta e inclui candidatos ao governo de Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro e Alagoas. Há ainda uma interrogação em frente ao nome de Lula, então candidato à reeleição

Em maio do ano passado, uma operação da Polícia Federal apresentou a cadeia a Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, um conhecido parasita de obras públicas. Escutas telefônicas e documentos apreendidos revelaram que o empreiteiro, agora solto, mantinha uma extensa relação de contratos milionários – e incestuosos – com o governo federal e uma intensa relação – também incestuosa – com políticos de vários estados e matizes. As investigações levaram o Ministério Público a acusar 61 pessoas por crimes de corrupção e formação de quadrilha, entre elas o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau e os governadores Teotonio Vilela Filho, de Alagoas, e Jackson Lago, do Maranhão. Os laços financeiros que uniam Zuleido a políticos, porém, parecem ser bem mais fortes do que se imaginava. Em uma das buscas realizadas no escritório do empreiteiro, a polícia recolheu agendas com informações intrigantes que devem arrastar muita gente graúda para o epicentro do escândalo. VEJA teve acesso ao conteúdo dos registros. As anotações sugerem que Zuleido Veras mantinha uma contabilidade clandestina que alimentava desde campanhas eleitorais até pagamentos de propinas a funcionários públicos e políticos.

As agendas apreendidas mostram a rotina do empreiteiro nos anos de 2005, 2006 e 2007. Elas revelam um Zuleido que se movimentava em Brasília com enorme desenvoltura. Ele visitava políticos no Congresso, freqüentava os gabinetes de importantes dirigentes de empresas estatais, encontrava-se com lobistas e mantinha relações estreitas com alguns jornalistas. As anotações também revelam que ele gosta de números – ou melhor, de cifras. Em 2006, ano de campanha eleitoral, as andanças de Zuleido se intensificaram e seus apontamentos deixam evidente que os contatos não se limitavam apenas a interesses comerciais. Em uma anotação, datada de 14 de julho de 2006, ele organiza o que parece ser uma tabela de "contribuições" a campanhas políticas. O Maranhão aparece como recebedor de 1 milhão; Alagoas, de 500.000; e o Tocantins, de 200.000. Pernambuco ficaria com 2% de uma quantia não especificada. Zuleido ainda relaciona nomes de políticos a cifras. Para a Bahia, os nomes "Jutahy" e "Imbassahy" aparecem ao lado do número 100. Há dois políticos baianos que foram candidatos em 2006: Jutahy Junior e Antonio Imbassahy. O Rio de Janeiro está registrado com um sinal de interrogação ao lado do nome "Cabral", possivelmente Sérgio Cabral, então candidato ao governo fluminense. Na mesma página, Zuleido escreve o nome "Lula" com uma interrogação ao lado. O presidente Lula disputava a reeleição.

NOMES ASSOCIADOS A CIFRAS
Em 16 de agosto de 2006, a agenda lista autoridades que teriam recebido dinheiro de Zuleido. O nome da candidata derrotada ao governo do Maranhão, Roseana Sarney, aparece ao lado da cifra de 200 000 reais. Ela nega ter recebido qualquer tipo de ajuda do empreiteiro
Joedson Alves/AE

As investigações policiais já haviam revelado que o Maranhão era um alvo preferencial das investidas do empreiteiro. Tanto que o ex-governador José Reinaldo Tavares e o atual, Jackson Lago, acabaram denunciados por corrupção. Mas o arrastão de Zuleido no estado parece ter pego também a senadora Roseana Sarney. Em 2006, ela disputou o governo do Maranhão. Na agenda do empreiteiro, no dia 16 de agosto, o nome da senadora aparece ao lado da quantia 200 000. Nessa mesma lista, o empreiteiro relaciona outros valores que seriam destinados a estados e cidades. Para o Rio de Janeiro 100 000, para Alagoas 1,358 milhão e para Macapá outros 100 000. Roseana aparece de novo em 14 de abril ao lado de uma cifra de 63 000 000, o que sugere o valor de uma obra. Ela também consta da relação dos que ganharam presentinhos da Gautama. Roseana garante que não recebeu nenhuma contribuição de Zuleido na campanha de 2006. "Pelo contrário, ele ajudou muito meu adversário", afirmou a líder do governo. No dia 23 de janeiro, aparece o nome "Ernane" seguido do número 30 000. Segundo a Polícia Federal, é uma referência a Ernane César Sarney Costa, irmão mais novo do senador José Sarney e secretário particular de Roseana, que teria recebido 30 000 reais da Gautama.

A agenda de Zuleido contém uma lista extensa de nomes associados a números. Alguns desses nomes, ao que tudo indica, são de obras públicas executadas pela Gautama nas quais a Controladoria-Geral da União já identificou superfaturamento. "Pratagy", por exemplo, seria uma referência à obra de ampliação do sistema de abastecimento de água do Rio Pratagy, em Maceió, Alagoas. Na agenda de Zuleido, o nome vem acompanhado do número 100. Só nessa obra pública os auditores da CGU calculam que o prejuízo aos cofres públicos pode chegar a 11,7 milhões de reais. Da agenda consta o nome "São Francisco" associado ao número 30. Segundo a Polícia Federal, seria uma referência ao projeto de transposição do Rio São Francisco, orçado em 5,2 bilhões de reais e para o qual a Gautama foi pré-classificada. Na agenda figuram ainda outras obras, como uma "BR-BID", associada ao número 50, e "Aeroporto MA", com o número 25. A Gautama foi a empreiteira responsável pela ampliação do Aeroporto Internacional de Macapá, investigada por desvios de 52 milhões de reais nas obras.

Na agenda de 2006 de Zuleido, aparece várias vezes o nome do ex-deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE). Numa delas, sob o registro "Pagamentos", o sobrenome do deputado está escrito antes de "20". Em 27 de outubro, há a anotação "Infraero", seguida de dois nomes e valores: "Olavo – R$ 50 000,00 e Reis – R$ 30 000,00". Não há nenhum Olavo entre os dirigentes da Infraero. Já Reis, presume a PF, pode se referir a Josenvalto Reis de Souza, então assessor especial da presidência da empresa. Zuleido Veras também faz referências explícitas a pagamentos ao deputado federal João Carlos Bacelar Filho (PR-BA), supostamente presenteado com 100 000 reais. O deputado Paulo Magalhães (DEM-BA) teria recebido duas contribuições, de 50 000 reais cada uma. Datada do dia 1º de dezembro, consta a anotação "Tuma 50". Evidentemente, qualquer um pode ser citado na agenda de um vigarista, sem que isso signifique necessariamente que a pessoa faça parte de esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público. Mas é recomendável não descartar com facilidade a frenética numerologia e a farta compilação de nomes de autoria do empreiteiro Zuleido Veras. Inclusive porque uma parte desse material já foi conectada a grampos da PF.

MARANHÃO, MARANHÃO...
Em 12 de maio de 2007, aparece na agenda de Zuleido a anotação "reunião c/ o gov.". De acordo com a Polícia Federal, é uma referência ao governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), que teve dois sobrinhos presos e foi denunciado por corrupção pelo Ministério Público na Operação Navalha
André Dusek/AE

Com reportagem de Otávio Cabral

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