Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 30, 2008

Como a “mídia golpista” salvou Lula Reinaldo Azevedo

Como a “mídia golpista” salvou Lula

Na madrugada de sexta pra sábado, ao dar destaque no blog, como faço habitualmente, a algumas matérias de VEJA, vi que havia uma entrevista de Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete de Lula, e pensei: “Ah, depois eu leio”. Dediquei-me a outros textos e acabei por deixá-la de lado. No sábado, vi que tinha feito uma bobagem: a entrevista, conduzida pelo repórter Otávio Cabral, é excelente. Decidi, então, comentá-la nesta segunda. Há várias passagens interessantes, mas uma merece particular destaque: a “mídia” que o PT chama golpista, quem diria?, salvou o mandato de Lula. É o que diz Carvalho, ainda que sem querer. Já chego lá.

Gilberto Carvalho não é um petista qualquer. É o que tem mais intimidade com Lula. Ex-seminarista, tem vocação para atuar nos bastidores. O homem é uma espécie de mini-Richelieu, só que despido de vaidade. Na Presidência, exerce o mesmo papel que exercia na Prefeitura de Celso Daniel. Tomá-lo por simplório ou mero estafeta é uma bobagem. Ele pensa — ainda que se possa gostar pouco, como é o meu caso, do que diz.

Por mais que Carvalho tenha controlado meticulosamente as palavras e tentado falar apenas o que Lula aprovaria, uma entrevista bem-conduzida pode revelar, como é o caso, um pouco mais do que deseja o entrevistado. Vamos ver. Seguem em preto trechos de sua fala, com intervenções minhas, em azul.

IRRITAÇÃO COM MANTEGA
“Há alguns dias, Guido Mantega (ministro da Fazenda) disse ao presidente que não era preciso ficar tão preocupado com a inflação porque ela estaria restrita aos alimentos. Lula, irritado com o comentário, reagiu de forma ríspida à afirmação do ministro.”
A fala reforça um recado permanente de Lula: não existe um política da “equipe econômica”. Ela é do presidente. O curioso é que, como vocês verão, quando o crescimento estava emperrado, Lula deixou claro que a tal política era de Palocci e Meirelles.

O PEÃO PRODUTIVISTA
“A cabeça de Lula é a do peão do ABC (...). Mesmo em relação à reforma agrária, eu não sinto que ele se empenhe tanto quanto por salário e emprego. Nem quanto ao ambiente. Vou ser bem claro aqui: ele acha importante a preservação, mas, entre um cerradinho e a soja, ele é soja. O ambiente é uma questão importante, mas não é decisiva. O que é decisivo é a economia.
Reparem com que desdém Carvalho trata a, como direi?, ecologia: “cerradinho”. O peão do ABC é mesmo um produtivista. Se alguém tinha dúvidas de que Marina Silva foi chutada do Ministério do Meio Ambiente, creio que a resposta está dada. Viram só? Lula é como George W. Bush ao resistir ao Protocolo de Kyoto. Parece que o presidente americano teria dito certa feita: “O ambiente é uma questão importante, mas não é decisiva. O que é decisivo é a economia.”

O PIOR MOMENTO
“Houve a famosa noite em que Palocci (ex-ministro da Fazenda) e Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro da Justiça) foram aconselhá-lo a entrar em acordo com a oposição. Lula abriria mão da reeleição em troca do restante do mandato. Aquela noite foi muito difícil para todos nós. Outra noite trágica foi a do dólar na cueca (um petista foi preso com dinheiro dentro da cueca). Ao saber da história, o presidente botou as mãos na cabeça e falou: ‘Meu Deus, onde é que nós vamos parar?’. Era uma sucessão inacreditável de picaretagens. Para completar, além da crise política, a economia também apresentava problemas. O PIB não crescia como prometemos.
De fato, houve o momento em que o governo também achou que estivesse perdido. E por bons motivos. Bem, a história é conhecida: quem facilitou a vida de Lula foram as oposições, que recuaram, com receio de que um eventual pedido de impeachment conduzisse o país a uma crise institucional.

A CULPA ALHEIA
“Lembro de um diálogo amargo dele [Lula] com o Palocci. O presidente disse assim: ‘Poxa, eu confiei em você, eu confiei no Meirelles (presidente do Banco Central) contra tudo e contra todos. Vocês falaram que a economia ia bombar e não bombou coisa nenhuma’. Aquele momento foi muito duro. Ele parecia arrasado.”
Viram? Quando a economia “bomba”, Lula chama para si os méritos. Quando não bombava, jogava a responsabilidade no colo dos ministros.

E POR QUE LULA NÃO MUDOU TUDO NA ECONOMIA?
“Foi o receio de que a mexida pudesse piorar as coisas, que já estavam muito ruins no plano político. Naquelas circunstâncias, o governo não tinha apoio parlamentar para promover mudanças.”
A conclusão é óbvia, não? Sem o escândalo, mas com baixo crescimento, Lula teria mudado tudo. E, provavelmente, dado com os burros n’água. Deveria ser grato, então, à “mídia golpista”, não é mesmo?

CASO LULINHA
“O presidente não vê nada de errado naquela coisa do Lulinha. Ele tem consciência de que o Fábio tomou uma iniciativa pessoal e está batalhando. Ele nunca pediu nada pelo Lulinha. É bem diferente do Vavá. O Vavá cometeu um ato ilícito, o Lulinha não. Mas ele acha que o Fábio está exposto mesmo pelo fato de ser filho do presidente. Sabe que é natural, do jogo.”
Dizer o quê? A “iniciativa pessoal” do filho do presidente resultou numa injeção de R$ 10 milhões na empresa de Lulinha. E de onde veio tanta generosidade? Da Oi, concessionária de serviço público, de que o BNDES é sócio. Carvalho e Lula acham isso normal e dizem: “Só pegam no pé porque Fábio é filho do presidente”. Ora, mas é claro que sim.

SAI PRA LÁ, DIRCEU
“José Dirceu e Lula não são tão íntimos assim, nunca tiveram relação de amizade.”
Todo mundo sabe que a relação entre o Zé e Lula anda tensa.

CASO VARIG
“Só quem viveu o começo do governo sabe da pressão para resolver o caso da Varig. A regra aqui dentro era fazer de tudo para impedir que a Varig quebrasse. E a ação da Dilma foi exatamente essa. Governo é assim: se você deixa um processo caminhar normalmente, ele tem uma demora que nem sempre os fatos podem esperar. Era o caso, a empresa podia quebrar. Por isso, houve uma mão forte da Dilma empurrando para que tudo fosse feito de maneira acelerada. Como a gente faz também com outras coisas importantes. Caso da guerra da Dilma com a Marina Silva para que houvesse o leilão das hidrelétricas do rio Madeira. Sem elas, o país ficaria sem energia em 2013. Pode-se falar o que quiser da Dilma, que ela é dura, que não tem diálogo. Agora, quem apostar que a Dilma se mete em negociata vai quebrar a cara.”
Ou seja: Dilma se meteu mesmo no caso Varig, certo?, com a sua “mão forte”. É o que se chama meter a mão forte pelos pés... Ah, e também derrubou Marina Silva. A declaração de Carvalho de que a chefe da Casa Civil é honesta tem o peso que tem: se achasse o contrário, ele nos diria?

De todo modo, interpreto assim a sua fala: eu também acho que Dilma não age em nome pessoal. Não lhe reconheço autonomia para tanto. Dilma é Lula. Qualquer coisa de impróprio que se queira atribuir à ministra tem um responsável maior: o seu chefe.
Num outro momento da entrevista, diz Carvalho: “Ele [Lula] é um sujeito que controla tudo com mão-de-ferro o tempo todo. O presidente concentra muito o poder”. Eu acho que, nesse particular, Carvalho fala a verdade. Lula sempre sabe de tudo.

E sempre soube. Definitivamente, é o chefão. E muito poderoso.
clicar para ler a Entrevista: Gilberto Carvalho

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