Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 28, 2008

A constelação Barack Obama


A equipe de assessores de um candidato serve de
bússola para entender seu pensamento – no caso
do democrata, isso também vale, mas não muito


André Petry, de Nova York


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Celebrado pelo talento retórico, o senador Barack Obama costuma usá-lo nos palanques tanto para inflamar as massas quanto para ocultar o biscoito fino. Obama não diz claramente se é contra ou a favor do livre-comércio ou das ações afirmativas. Mas, à medida que a campanha se desenrola, a cara de sua equipe é o que mais ajuda a dar alguma nitidez ao seu pensamento. Nos últimos dias, para decepção de uns e entusiasmo de outros, Obama passou a cercar-se de auxiliares do círculo de Bill e Hillary Clinton, ainda o casal mais poderoso do Partido Democrata. A nomeação mais significativa foi a do economista Jason Furman, que trabalhou na Casa Branca do ex-presidente e agora virou o manda-chuva das propostas econômicas de Obama. Furman tem 37 anos, vive flertando com a turma de Wall Street e já cobriu de elogios a política de salários baixos do Wal-Mart, para escândalo dos democratas puros-sangues. Mas ele não é o único que saiu da asa dos Clinton para aninhar-se sob Obama.

Os principais auxiliares na área de política externa, tema quente em decorrência do desastre no Iraque, também saíram da seara dos Clinton. O mais experiente é Anthony Lake, 69 anos, conselheiro de segurança nacional de Clinton entre 1993 e 1997, período-chave durante o qual o mundo mudou com o desaparecimento da União Soviética e o ressurgimento da Rússia, sob o comando de Boris Ieltsin e seus vastos estoques de mercúrio (no humor) e de vodca (no fígado). Lake começou a carreira diplomática nos anos 60, foi auxiliar do embaixador americano em Saigon nos tempos em que o Vietnã fazia diferença e deixou o serviço diplomático porque discordava da invasão do Camboja e das bruxarias de Henry Kissinger, a quem acusou judicialmente de lhe aplicar um grampo telefônico – e ganhou. Foi um dos primeiros democratas a enxergar valor em Obama. Nas primárias, apoiou-o desde o início. Converteu-se ao judaísmo em 2005, depois de ficar dois anos tomando café-da-manhã, todas as segundas-feiras, com um rabino conservador de Washington. Detesta o viés ideológico da atual política externa americana.

Obama também conta com Susan Rice, outra que trabalhou com Clinton, cuidando dos assuntos da África. "Doutora Rice", como é chamada, apesar de sua ligação com os Clinton, preferiu alinhar-se a Obama desde o início. Ela se encantou com a crítica contundente do democrata à guerra do Iraque. No fim de 2002, doutora Rice carregava seu barrigão de nove meses para os palcos em que fazia eloqüentes discursos contra a guerra. Mirava o alvo: Bush estava confundindo Al Qaeda com Iraque. Seu poder cresceu quando Samantha Power deixou a campanha depois de chamar Hillary de "monstro". Samantha, ela sim, era um rosto novo em folha. Nasceu e viveu na Irlanda até os 9 anos de idade, quando imigrou para os EUA. Tornou-se uma inteligência arejada da academia americana e uma defensora original dos direitos humanos. Entende de guerras e genocídios, e esteve onde importa: Timor, Ruanda, ex-Iugoslávia, Sudão. Conheceu o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morto em Bagdá quando estava a serviço da ONU, e escreveu uma biografia dele que chegará ao Brasil em breve. Nada impede que, se Obama for eleito, ela tenha um cargo no governo.

A composição da equipe de Obama pode servir de bússola para acompanhar o que o candidato pensa ou o tipo de governo que pretende fazer, mas recomenda-se que tais indícios não sejam levados à risca. Nem esse processo está imune às ambigüidades tão típicas do candidato. Na política externa, Obama misturou Lake com Samantha Power, que não são opostos, mas estão longe de ser índios da mesma tribo. Na economia, além de Furman, tem Austan Goolsbee, professor da Universidade de Chicago, Jared Bernstein, identificado com a esquerda, e James Galbraith, filho do famoso keynesiano John Kenneth Galbraith e seguidor das idéias do pai. Disso tudo pode sair muita coisa, menos clareza. A favor de Obama, seus auxiliares são unânimes em afirmar que o candidato tem uma cabeça excepcionalmente aberta e gosta de ouvir opiniões diferentes antes de decidir. O que parece ambigüidade, dizem eles, na verdade é flexibilidade. Pode ser, mas o fato é que Obama não é claro em certas questões pela razão de sempre dos políticos em eleição: ele quer agradar a todos. O democrata é menos ambíguo quando se trata de fazer o lobby dos produtores americanos de etanol de milho. "Não vale a pena substituir nossa dependência do petróleo pela dependência do etanol do Brasil", disse.

Por enquanto sua campanha tem dado muito certo, e boa parte do sucesso é mérito de uma dupla de Davids. Um é David Axelrod, mestre em eleger políticos negros desde que orientou, em 1987, a reeleição de Harold Washington, o primeiro prefeito negro de Chicago. Depois disso, fez fila. Elegeu os prefeitos negros de Detroit, Cleveland, Houston, Filadélfia, Washington. O outro é David Plouffe, amigo e sócio de Axelrod. É o coordenador-geral da campanha. Seu jeito tímido e acanhado contrasta com o vozeirão de radialista. Atribui-se a ele a estratégia de romper com a tradição de concentrar a campanha nas primárias apenas nos estados decisivos, ignorando os pequenos. Essa estratégia deu a Obama uma seqüência avassaladora de onze vitórias, empinando o candidato. Gravitando em torno de todos está Valerie Jarrett, amiga de longa data e ex-presidente da Bolsa de Chicago. É a única pessoa com intimidade para dizer aos Obama as verdades que ninguém gosta de ouvir. Pairando sobre a constelação, está a mulher de Obama, Michelle. Ela não dá palpite na campanha, mas está sempre de olho na imagem do marido e tem sido uma presença para lá de cintilante na disputa.



Vestida para o poder

Michelle Obama já tem estilo de primeira-dama,
mas por enquanto precisa disfarçar um pouco


Vilma Gryzinski

Daniel Shapiro/New York Port/Cortesia
OBAMISTA E FASHIONISTA
O estilo poderoso da mulher do candidato democrata


A política americana é de dar nó nas cabeças mais simples. Primeiro, quando o mundo inteirinho (e muita gente nos Estados Unidos também) se refestelava nas delícias de falar mal do país de George W. Bush, produziu um candidato presidencial como Barack Obama. Agora, porque tanto Obama quanto sua mulher, Michelle, estão intensamente dedicados a combater a imagem, acreditem, de elitistas. A idéia de que ambos, nascidos em famílias pobres, embora com histórico diferente, sejam esnobes metidos a desdenhar do sal da terra americana, os matutos do interior, soa absurda, mas tem raízes no perfil dos dois – altos, belos, instruídos e, reconheça-se, com um toque da superioridade dos bem-sucedidos – bem como nas peculiaridades da campanha americana. Com eleitores garantidos tanto à direita quanto à esquerda, respectivamente, os candidatos do Partido Republicano e do Democrata disputam os votos do centro. É por isso que, além de enfrentar a máquina de intrigas dos adversários republicanos e dos malucos que desperdiçam a vida caçando conspirações na internet, o casal Obama passa pelo equivalente a um reposicionamento no mercado, mirando nos eleitores que não gostam da política nem da economia do governo atual, mas ainda sentem desconfiança em relação a eles. Os dois aqui são colocados em pé de igualdade por causa de outra característica da política americana: mulheres não ganham eleições para os maridos, mas podem ajudar a perdê-las.

Apresentar uma imagem mais simpática e domesticada de Michelle tem levado essa mulher com altura e postura de modelo – 1,80 metro, com salto médio – e formada em Princeton e Harvard, as melhores universidades dos Estados Unidos (portanto, do mundo), a se passar por uma dona-de-casa comum, que fala de filhos e família, faz pequenas confidências (não usa meia-calça, imaginem só) e compra papel higiênico na Target, rede de lojas populares. Uma amiga deixou escapar que as duas foram assistir a Sex and the City "no primeiro dia". Não é coincidência que as roupas de Michelle tenham um arzinho de Sarah Jessica Parker, além das evidentes referências a Jacqueline Kennedy, ícone supremo de elegância. A mistura ficou patente no vestido de seda roxa (900 dólares, assinatura de Maria Pinto, estilista amiga de Chicago), complementado com colar de pérolas de bijuteria e cinto preto (Azzedine Alaïa), usado quando Obama se consolidou como o candidato democrata. Michelle tem um tremendo senso de estilo, mas evidentemente recebe ajuda profissional para se vestir como o que almeja ser: primeira-dama.

Apesar do porte e do currículo, essa advogada de 44 anos, nascida Michelle LaVaughn Robinson, enfrenta mais problemas de aceitação que seu marido. Uma pesquisa recente indicou que 48% dos eleitores têm imagem favorável dela; 42%, desfavorável; e, mais significativo, 25% a vêem de maneira muito desfavorável (os números de Cindy McCain, a mulher do candidato republicano, foram de 49%, 29% e 10%, nas mesmas categorias). Michelle também é assombrada por uma frase dita durante a etapa da campanha em que Obama enfrentava Hillary Clinton e que parece ter sido encomendada pelos adversários do marido. "Pela primeira vez na minha vida adulta, eu realmente me orgulho do meu país" virou um infinitamente replicado mantra da oposição a Obama. Vai pegar? Pesquisadores e estudiosos do comportamento eleitoral tendem a concordar que é praticamente impossível reverter a onda pró-Obama (mas no começo dessa campanha todo mundo achava que os candidatos seriam Hillary Clinton e Rudy Giuliani, lembram-se?). As surpresas são tantas que outra pesquisa de opinião indicou que há mais eleitores (40%) preocupados com a idade do candidato do que com a cor (27%). Desse ponto de vista, o maior alvo de preconceito no momento seria John McCain, 71 anos, problemas de mobilidade por causa de ferimentos na Guerra do Vietnã, três melanomas.

A idéia de que o alquebrado McCain vença o vigoroso Obama, 46 anos e aparência de dez a menos, dentes mais perfeitos do que os de toda a família Kennedy reunida, parece especialmente inconcebível para os simpatizantes do democrata no mundo do entretenimento e da moda. Anna Wintour, a diaba de Prada da revista Vogue, foi a uma festa de arrecadação na qual Michelle, de túnica e pantalona da cultuada Isabel Toledo, abafou. Depois, jantar no tríplex de Calvin Klein (10 000 dólares por cabeça). Nessas esferas, Obama já está eleito e a única e deliciosa dúvida remanescente é o que Michelle vai usar no dia da posse. Sem preocupação em fingir que não é da elite, só poderá ser alguma coisa espetacular, sonham os obamistas e fashionistas.

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