Há apenas duas semanas, empresas, instituições e pessoas físicas vinham-se comportando como se a crise financeira americana tivesse ficado para trás. Tinham se preparado para o início do contra-ataque global à inflação, cujas conseqüências mais importantes seriam a alta dos juros nos Estados Unidos, o fortalecimento do dólar e uma certa desvalorização das commodities.
No entanto, o conteúdo da comunicação do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mostrou que a fotografia não é bem essa. O foco da política monetária dos Estados Unidos continua sendo a busca de uma saída para a crise financeira e não o ataque iminente à inflação. O que sumiu da crise foram apenas as ondas de pânico, dissipadas a partir de 16 de março, quando o Fed avisou que banco não quebra e, com isso, que ficam resguardados os contratos.
Mas foi lembrado que os bancos americanos ainda estão vulneráveis ao aumento da inadimplência do mercado habitacional e à trombose do crédito. Não foi por falta de assunto que, na semana passada, o presidente do Fed, Ben Bernanke, advertiu publicamente os bancos americanos de que precisam de vigoroso e rápido reforço de capital para enfrentar o tranco.
Mas essa postura indica que fica adiado o início do processo de aperto monetário nos Estados Unidos, decisão que desencadeia um punhado de efeitos.
O primeiro deles é o adiamento da recuperação do dólar nos mercados internacionais de câmbio, que parecia iminente a partir das declarações do secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, e do próprio Bernanke.
Se, por sua vez, o dólar continuará combalido, também não dá para contar com a pronta reversão dos preços das commodities, especialmente do petróleo, dos alimentos e das matérias-primas metálicas.
Um dólar fraco e uma política monetária (política de juros) relativamente frouxa indicam que a tão temida recessão americana, embora mais prolongada, pode ser mais branda do que se imaginava há algumas semanas.
Para os países emergentes, em especial para o Brasil, é um ambiente mais positivo do que negativo. O lado ruim é a inflação turbinada pela alta dos alimentos e das commodities. A falta de combate nos Estados Unidos vai sobrecarregar os bancos centrais que se mantiverem determinados a segurar a inflação dentro da meta. Também será inevitável conviver com moedas locais valorizadas (caso do real), fator que, por sua vez, enfraquecerá o resultado da balança comercial.
Em compensação, tende a ser forte o ingresso de capitais de risco destinados a financiar projetos de produção de commodities e a expansão da infra-estrutura. E a economia tem tudo para consolidar um novo padrão de crescimento sustentável, menos dependente do jogo dos atuais países ricos.
Para que isso dê certo, será preciso conter o crescimento excessivo das despesas públicas e definir regras de jogo (marco regulatório) que não possam ser manipuladas pelos políticos e pelos lobbies, quaisquer que sejam eles.