Quarenta anos depois do assassinato de Martin Luther King, a candidatura do senador negro Barack Obama à presidência dos EUA por um dos dois grandes partidos do país faz de 2008 um ano histórico, independentemente dos resultados das urnas em 4 novembro. Essa não é a única razão por que a campanha pela Casa Branca tem especial significado para o Brasil - a maior nação de herança africana fora da África. Esta é a primeira campanha presidencial americana em que temas do interesse nacional dos brasileiros - biocombustível, comércio, o lugar do Brasil no mundo - têm espaço nas plataformas dos candidatos, como atestam declarações recentes de Obama e seu rival republicano, John McCain.
Três fatores explicam a novidade. A alta dos preços do petróleo e a preocupação crescente com mudança climática ampliaram o espaço para as fontes renováveis de energia e trouxeram o etanol de cana-de-açúcar, o melhor entre os biocombustíveis, para o centro da discussão. Do lado negativo, o ambiente de insegurança econômica que os americanos respiram (e que muitos deles atribuem à globalização) travou a agenda comercial em Washington e alimenta agora um duro debate eleitoral sobre política de comércio exterior - o tópico que há décadas domina as relações bilaterais Brasil-EUA. Somam-se a isso os efeitos políticos da forte perda de prestígio internacional que o país sofreu na atual administração. Cientes de que a restauração da credibilidade americana no mundo será tarefa prioritária da próxima administração, McCain e Obama, diretamente ou por meio de assessores, têm sinalizado que suas estratégias de reinserção dos EUA no mundo incluem o reconhecimento do novo peso internacional do Brasil estável e democrático que emergiu nos últimos 13 anos.
Nada disso deve alimentar expectativas de que a relação com o Brasil estará entre as prioridades dos EUA a partir da posse do sucessor de Bush, em 20 de janeiro de 2009. Em seus dois primeiros anos de governo, o próximo presidente americano estará ocupado com as guerras no Iraque e no Afeganistão, com a instabilidade no Paquistão, com a política nuclear do Irã e com o processo de paz entre israelenses e seus vizinhos palestinos e sírios, peça central para o sucesso de qualquer estratégia racional dos EUA para estabilizar o Oriente Médio e drenar as fontes de terrorismo na região.
Ainda assim, não faltarão espaço e oportunidades para preparar o caminho para entendimentos que possam dar conteúdo e profundidade ao diálogo correto e cordial, mas ainda superficial, que existe hoje entre os dois países e seus governos. É recomendável, no entanto, que os brasileiros interessados em relações mais conseqüentes e produtivas com os EUA evitem presumir o resultado da disputa de novembro.
Muitos empresários e executivos parecem já ter concluído que o republicano McCain vencerá as eleições e que sua vitória é boa para o Brasil. Não há muito que respalde esse cálculo. O triunfo de Obama nas prévias eleitorais contém parte da resposta. Os cofres abarrotados de sua campanha e as pesquisas de opinião divulgadas desde que o senador de Illinois garantiu a candidatura democrata indicam que suas chances de chegar ao poder são superiores a 50%. Além disso, a conjuntura opera a seu favor.
Herdeiro político do mais impopular presidente da História americana em décadas e de um legado que inclui uma economia batendo os pinos, preços de combustíveis em alta, a pior crise de moradia desde a Grande Depressão e uma guerra que a esmagadora maioria dos americanos desaprova, o septuagenário McCain busca a Casa Branca num péssimo momento para os republicanos. Este panorama, evidente nas sondagens de opinião, foi confirmado em semanas recentes pela derrota de candidatos conservadores em três eleições especiais para o Congresso realizadas em distritos eleitorais tradicionalmente republicanos.
A campanha mal começou, Obama é um político inexperiente e pouco testado, a disputa será duríssima e não se deve descartar uma vitória de McCain. Em tese, o senador do Arizona é, de fato, o candidato que tem as posições mais alinhadas com os interesses mais imediatos do Brasil. É crítico, por exemplo, do protecionismo agrícola, incluindo os subsídios à produção de etanol do milho e já se declarou a favor da inclusão do Brasil no Grupo dos Oito. Cabe, no entanto, uma ressalva. Uma das poucas certezas das eleições de novembro é que os democratas, que são mais protecionistas, ampliarão suas maiorias nas duas Casas do Congresso. Seja quem for o sucessor de Bush, não será fácil restabelecer o consenso sobre política de comércio exterior em Washington e abrir o caminho para a conclusão da Rodada Doha - o objetivo mais urgente da diplomacia brasileira. Não se deve subestimar, tampouco, a possibilidade de um governo McCain desencadear ações no Oriente Médio ou em relação a Cuba que acirrariam a instabilidade internacional, contrariando os interesses do Brasil.
Em contraste, a promessa de renovação do papel dos EUA no cenário internacional representada por Obama poderia ser mais interessante para o Brasil. É verdade que na questão mais premente do comércio ele condicionou a retomada da pauta a uma negociação de políticas domésticas capazes de responder aos problemas que alimentam a sensação de insegurança econômica dos americanos. Entre estas estão considerações sobre o impacto ambiental e social do comércio. A lógica sugere que um presidente democrata teria maiores chances de negociar tais acordos com um Congresso controlado por seu partido e reativar a agenda de comércio exterior - um componente essencial de um reengajamento construtivo dos EUA com o mundo. Nesse cenário, a questão é como responderá o País governado pelo Partido dos Trabalhadores, que proclama a superioridade ecológica do etanol de cana e afirma ser de seu interesse nacional preservar a Amazônia.
Paulo Sotero, jornalista, é diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington
Três fatores explicam a novidade. A alta dos preços do petróleo e a preocupação crescente com mudança climática ampliaram o espaço para as fontes renováveis de energia e trouxeram o etanol de cana-de-açúcar, o melhor entre os biocombustíveis, para o centro da discussão. Do lado negativo, o ambiente de insegurança econômica que os americanos respiram (e que muitos deles atribuem à globalização) travou a agenda comercial em Washington e alimenta agora um duro debate eleitoral sobre política de comércio exterior - o tópico que há décadas domina as relações bilaterais Brasil-EUA. Somam-se a isso os efeitos políticos da forte perda de prestígio internacional que o país sofreu na atual administração. Cientes de que a restauração da credibilidade americana no mundo será tarefa prioritária da próxima administração, McCain e Obama, diretamente ou por meio de assessores, têm sinalizado que suas estratégias de reinserção dos EUA no mundo incluem o reconhecimento do novo peso internacional do Brasil estável e democrático que emergiu nos últimos 13 anos.
Nada disso deve alimentar expectativas de que a relação com o Brasil estará entre as prioridades dos EUA a partir da posse do sucessor de Bush, em 20 de janeiro de 2009. Em seus dois primeiros anos de governo, o próximo presidente americano estará ocupado com as guerras no Iraque e no Afeganistão, com a instabilidade no Paquistão, com a política nuclear do Irã e com o processo de paz entre israelenses e seus vizinhos palestinos e sírios, peça central para o sucesso de qualquer estratégia racional dos EUA para estabilizar o Oriente Médio e drenar as fontes de terrorismo na região.
Ainda assim, não faltarão espaço e oportunidades para preparar o caminho para entendimentos que possam dar conteúdo e profundidade ao diálogo correto e cordial, mas ainda superficial, que existe hoje entre os dois países e seus governos. É recomendável, no entanto, que os brasileiros interessados em relações mais conseqüentes e produtivas com os EUA evitem presumir o resultado da disputa de novembro.
Muitos empresários e executivos parecem já ter concluído que o republicano McCain vencerá as eleições e que sua vitória é boa para o Brasil. Não há muito que respalde esse cálculo. O triunfo de Obama nas prévias eleitorais contém parte da resposta. Os cofres abarrotados de sua campanha e as pesquisas de opinião divulgadas desde que o senador de Illinois garantiu a candidatura democrata indicam que suas chances de chegar ao poder são superiores a 50%. Além disso, a conjuntura opera a seu favor.
Herdeiro político do mais impopular presidente da História americana em décadas e de um legado que inclui uma economia batendo os pinos, preços de combustíveis em alta, a pior crise de moradia desde a Grande Depressão e uma guerra que a esmagadora maioria dos americanos desaprova, o septuagenário McCain busca a Casa Branca num péssimo momento para os republicanos. Este panorama, evidente nas sondagens de opinião, foi confirmado em semanas recentes pela derrota de candidatos conservadores em três eleições especiais para o Congresso realizadas em distritos eleitorais tradicionalmente republicanos.
A campanha mal começou, Obama é um político inexperiente e pouco testado, a disputa será duríssima e não se deve descartar uma vitória de McCain. Em tese, o senador do Arizona é, de fato, o candidato que tem as posições mais alinhadas com os interesses mais imediatos do Brasil. É crítico, por exemplo, do protecionismo agrícola, incluindo os subsídios à produção de etanol do milho e já se declarou a favor da inclusão do Brasil no Grupo dos Oito. Cabe, no entanto, uma ressalva. Uma das poucas certezas das eleições de novembro é que os democratas, que são mais protecionistas, ampliarão suas maiorias nas duas Casas do Congresso. Seja quem for o sucessor de Bush, não será fácil restabelecer o consenso sobre política de comércio exterior em Washington e abrir o caminho para a conclusão da Rodada Doha - o objetivo mais urgente da diplomacia brasileira. Não se deve subestimar, tampouco, a possibilidade de um governo McCain desencadear ações no Oriente Médio ou em relação a Cuba que acirrariam a instabilidade internacional, contrariando os interesses do Brasil.
Em contraste, a promessa de renovação do papel dos EUA no cenário internacional representada por Obama poderia ser mais interessante para o Brasil. É verdade que na questão mais premente do comércio ele condicionou a retomada da pauta a uma negociação de políticas domésticas capazes de responder aos problemas que alimentam a sensação de insegurança econômica dos americanos. Entre estas estão considerações sobre o impacto ambiental e social do comércio. A lógica sugere que um presidente democrata teria maiores chances de negociar tais acordos com um Congresso controlado por seu partido e reativar a agenda de comércio exterior - um componente essencial de um reengajamento construtivo dos EUA com o mundo. Nesse cenário, a questão é como responderá o País governado pelo Partido dos Trabalhadores, que proclama a superioridade ecológica do etanol de cana e afirma ser de seu interesse nacional preservar a Amazônia.
Paulo Sotero, jornalista, é diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington