“A internet interpreta a censura como um defeito, e o contorna”. A frase famosa é do cientista pioneiro da internet John Gilmore e define bem o espírito libertário que domina essa nova tecnologia da informação, incompatível com a legislação repressiva com que a Justiça Eleitoral tenta controlar a informação em tempos de campanha eleitoral. O brasileiro Rosental Calmon Alves, professor de Comunicação da Universidade do Texas em Austin e um dos maiores especialistas em novas tecnologias da informação, considera “simplesmente ridículo e impossível” querer levar para este ambiente “o rigor repressivo que o Brasil desenvolveu para controlar a expressão de candidatos nos espaços físicos”.
O Brasil deveria estar celebrando, na opinião dele, o fato de termos “uma das maiores, mais dinâmicas e mais ativas comunidades de internautas do mundo, em vez de urdir formas para controlála”. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto, tem opinião semelhante.
Ele reconhece a comunicação via internet como “o mais centrado espaço de liberdade individual, interditado, portanto, ao passo regulador do Estado, ainda que agindo este pela Justiça Eleitoral”.
Aques tão ficou em aberto, porque a maioria dos ministros doTSE preferiu não dar uma resposta formal às indagações sobre o uso da rede mundial de computadores nas campanhas eleitorais.
Assim, juízes eleitorais, TREs e o próprio TSE irão decidir caso a caso, no julgamento de processos concretos.
Há uma proposta ridícula de proibir a transmissão de mensagens eletrônicas, os populares “torpedos”, pelos telefones celulares às vésperas das eleições, o que, além de tudo, incorreria em uma interferência no direito individual, especialmente daqueles que querem mandar mensagens que nada têm a ver com política eleitoral.
Segundo Rosental, a internet e demais tecnologias digitais não se constituem em meios de comunicação de massa no sentido tradicional, “mas sim numa massa de meios de comunicação incontroláveis, porque individuais”.
Os meios tradicionais, como os jornais, revistas, rádios e televisão, estavam sendo cerceados em sua liberdade de informação pela interpretação equivocada de dispositivos legais.
Essa questão já foi superada com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de revogar o artigo 24 da resolução 22.718, que vedava a abordagem de plataforma de governo em entrevistas de précandidatos, em rádio, TV e jornais.
Restam ainda interpretações subjetivas do que seja não dar tratamento privilegiado a candidatos, e casos de “direito de resposta” a candidato que se considerar prejudicado com a cobertura jornalística.
Mas, a questão mais difícil de definir, pela novidade, é o jornalismo na internet, ou o papel dos blogs nas campanhas eleitorais. Impedir um blogueiro de expressar seu apoio a um futuro ou eventual candidato é , para Rosental Calmon Alves, “ uma coisa tão aberrante quanto não permitir que ele fale para seus amigos, parentes e quem quer que esteja perto dele sobre esse apoio. Será que se ele comentar com seus vizinhos seu apoio a um candidato, um juiz vai decretar sua prisão?”.
Os juízes eleitorais precisam compreender o sentido da internet, e mais ainda o dos blogs da internet.
“O blog é um meio de expressão pessoal, para quem quer que decida ir lá ver as opiniões dele, ou que esteja em sua rede”, explica Rosental, para quem “estamos em meio a mudanças paradigmáticas monumentais”.
Na sua visão, a revolução digital, na qual estamos imersos, é um processo que só tem paralelo no desenvolvimento da escrita, a invenção do tipo móvel por Gutenberg e talvez a revolução industrial.
“Estamos nos movendo da sociedade industrial para a sociedade da informação, que é uma sociedade baseada em redes. A comunicação social vertical e unidirecional da era industriales tá sendo substituída por um sistema comunicacional muito mais horizontal, onde as empresas de mídia tradicionais estão perdendo poder e controle para a cidadania”, define.
As campanhas eleitorais vão inexoravelmente ocupar esses novos espaços virtuais. “Deixem a internet em paz; ela foi cria da livre , deve ser mantida livre e está ajudando imensamente a democracia brasileira, ao incentivar, por exemplo, a participação dos jovens antes desinteressados na vida política do país”, pede Rosental.
Para ele, o maior erro é tentar levar para a internet o aparato repressor que a Justiça Eleitoral desenvolveu em relação aos meios de comunicação de massa tradicionais.
“E o pior é que estamos fazendo isso através de um gigantesco sistema repressivo judicial, que é capaz de atropelar princípios constitucionais básicos, como a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão”.
Rosental diz que não há no mundo uma legislação “tão detalhista, e de uma par ator e pressor tão grande composto por tantos juízes, promotores, advogados , policiais, tribunais, etc, dedicados ironicamente a assegurar, supostamente, a liberdade dos cidadãos nas campanhas eleitorais.
Que paradoxo”.
Entrevista:O Estado inteligente
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